Não, Latim não é a minha praia mas isto, “In Veritas Veritatis”, fez-me lembrar “Em verdade em verdade vos digo”, preâmbulo usado amiúde nas parábolas do cidadão Jesus Cristo, de quem disseram que viria para nos salvar de nós próprios. Hélas, porque apesar de Ele pregar por aí fora “Acredita, tu és capaz, tu és brutal”, afinal não estamos salvos e pelo andar da carruagem não estaremos nunca. A não ser que desprovidos de deambulações metafísicas vejamos a morte como a salvação, uma possibilidade a ter em conta porque, primeiro, é garantida e segundo, se por acaso não for salvação nenhuma também não é relevante porque ninguém voltará para o confirmar ou desmentir…
Se há coisa que eu abomino é o “self-made técnico de motivação” que cantarola com tom de voz de pastor da IURD[1] cenas tipo “Acredita, tu és capaz, tu és brutal”, “tu vais conseguir” ou “se tu queres, tu podes” como se fizesse alguma ideia da pessoa a quem o está a dizer. Bom, muito poucos transeúntes desta vida fazem algo simplesmente porque querem ou porque um qualquer alguém lhes diz que se ele quer, ele pode. Se fosse assim tão fácil motivar alguém, este mundo constituiria uma realidade a anos-luz da que existe e tem existido. Seria melhor? Talvez não porque o ser humano é um ser complexo, detentor de um orgão mandante, o cérebro, que tão depressa é seu aliado como o seu principal inimigo. Em verdade, em verdade vos digo que estou imensamente saturado de tanto pregador da verdade e de tanto profeta da salvação. Há já muitas décadas que existem linhas de montagem de pregadores da verdade e profetas da salvação que nos exocrinam a pachorra dia após dia, até ansiarmos que um piano de cauda nos caia na cabeça, vindo de lá de cima de um décimo-segundo andar ou mais. Eles são tantos, tantos, tantos e já tão sofisticados que urge encontrar um spray genocida efetivamente eficaz no combate a essa praga. Porém, apesar da sua força em qualidade e quantidade, em verdade, em verdade vos digo que será mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um desses dinamizadores da auto-estima alheia entrar no reino dos céus…
Num país em que as vedetas do quotidiano adoram começar as suas frases por “sabíamos que…”, seria de esperar que depois duma época festiva de amor ao próximo e a Deus na pessoa do seu filho encarnado homem, os casos de infeção pelo Coronavírus e consequentes óbitos iriam aumentar. Afinal, dizem os “Médicos pela Verdade” e outras entidades auto-proclamadas detentoras da (sua) verdade, a pandemia é uma falácia, uma manobra meramente política tendente a anular as liberdades democráticas conquistadas no 25 de Abril. Afinal, uma média diária de 100 velhotes a morrer e 10 milhares de novos infetados é jogo apenas, simplesmente um jogo de quem visa a supremacia sobre os demais. O que realmente se está a tornar estonteante é que cada português começa mesmo a acreditar que é um ser brutal[2] e como tal, sendo detentor da verdade absoluta, toma as decisões que toma, julga-se certo e zanga-se quando contrariado. Este é o país que, não sendo para velhos, fica à mercê de quem o apanhar pois os novos, esses andam demasiado ocupados com as últimas modas dos “tattoos & piercings”, com a profundidade do estudo das vantagens do Instagram sobre o Facebook, com a árdua tarefa de grafitar as paredes com “Black Lives Matter”, com a análise sociológica dos comportamentos em espaços fechados tipo “Big Brother”, com os resumos das 5 horas diárias de telenovelas que passam nos canais da TV portuguesa, já sem falar nas outras, e com os downloads das últimas versões das aplicações mais mirabolantes para telemóvel. Quanto ao resto, atirar o avô, a avó, quiçá o pai ou a mãe para o hospital donde vai sair sem vida e com rótulo de “lixo infectante”, é coisa de somenos importãncia pois morrer… é a vida!
Diz o filósofo que devemos ficar de pé atrás com quem começa as suas frases com “para ser honesto”, “para ser franco” ou “para falar a verdade”. É que as estatísticas apontam para que a esmagadora maioria de quem assim inicia as suas frases são definitivamente pessoas pouco honestas e francas, muito mentirosas ou então têm sérias dúvidas sobre a crença, de quem os ouve, nessas suas caraterísticas. Hoje mais que nunca o povo quer parecer, muito mais que ser. Mentir é já o normal, a verdade é pseudo ou é já uma mentira. Pois, a verdade dói. A verdade destrói a ficção sobre a qual cada vez mais construímos o nosso ser, o nosso estar. O ser humano tornou-se mestre na camuflagem, no faz de conta, na metamorfose. As redes sociais vieram ajudar os seguidores da encenação, do faz de conta, dos pregadores e dos profetas que monetizam o uso e abuso da ingenuidade dos que não conseguem acreditar que o Pai Natal e seus duendes são funcionários da Coca-Cola. Há umas décadas, a trapaça que estava a dar eram os livros tipo “Faça você mesmo…”. Hoje são as redes sociais, que incutem no incauto transeúnte desta vida macaca a ideia de que brutal, brutal[3] mesmo é escarrapachar toda a sua vida, e dos seus, num livro aberto a quem o vai ler atentamente e daí tirar os seus milionários proveitos. Quanto a nós, juventude da era da TV a preto-e-branco só com dois canais, resta-nos aceitar que com tanta deslumbrante “vida” social na ponta dos dedos, a esta juventude de hoje sobre muito pouco tempo e paciência para os valores e as verdades de quem se sentia brutal na rua, a enrolar um cordel num pião de madeira e a atirá-lo com violência contra o pião do adversário com a intenção de o partir a meio…
Moral da história? Quid est veritas? Ubi veritas?[4]