Colloquy Potestas

Quem disse que todos os problemas podem ser resolvidos através da discussão? Simplesmente não podem até porque nem sempre da discussão nasce a luz. Na verdade, muitos problemas começam exatamente durante a discussão e então da discussão nasce a escuridão. Digamos que, porque sou um amante das coisas básicas e simples, é melhor ficarmos de boca fechada se não tivermos a certeza do que dizer ou se realmente fizermos pouca ideia do que dizer. Sim, falamos porque somos inteligentes mas seremos ainda mais inteligentes se soubermos exatamente quando, onde, como e com quem falar ou, quiçá, permanecer em silêncio…

Viver com alguém que não sabe quando parar de falar é uma espécie de tortura. Pessoas com um alto fluxo de conversação ou um fluxo interminável de conversas podem destruir a nossa boa vontade de viver e até mesmo nos levar ao suicídio. É ainda pior quando o que falam é tudo o que realmente não queremos, em nenhum caso, ouvir. E são exatamente esses que não possuem botão de parar (STOP) ou qualquer outro dispositivo de corte (OFF). Viver com essas criaturas pode transformar-se num inferno na terra, mais insuportável do que sofrer de cancro terminal ou estar num estado avançado de SIDA. Essas criaturas são aquelas que não começam a falar a nosso pedido mas simplesmente começam a falar muito antes mesmo de percebermos que andam por perto…

Resolver (sempre) os muitos problemas da vida através da discussão só deve ser um desejo, nunca uma esperança. Sim, podemos desejar o impossível, mas devemos evitar esperar o que já está provado não ser possível. Indubitavelmente, falar facilitou a existência da humanidade desde que ela existe. Mas conversar também é fonte de problemas, principalmente se não possuímos o dom da conversação ou então se possuímos o dom da desconversação. É tão fácil começar um conflito com apenas algumas palavras ditas à pessoa errada, na hora errada, no lugar errado, no ambiente errado e sobre o assunto errado. A palavra pode tornar-se perigosa, portanto, a conversação impossível…

“Continuem a conversar” pode ser um desejo enviado a políticos para lhes solicitar que conversem mais antes de recorrerem a armas e à guerra como argumento. Mas não sejamos anjinhos em vestes branco-reluzentes, dedilhando suas harpas num encantador lugar azul-celeste, porque conversar é às vezes um passo a mais para resolver as situações com eficácia. Nem todas as pessoas neste mundo nasceram boas pessoas. Ou, se nasceram, então foram vítimas de uma reformatação degenerativa da mente, em algum capítulo da sua vida, que os tornou puras criaturas de um filme dramático ou até trágico. Sim, estou sendo eventualmente sarcástico, seguramente realista porque muitas são as criaturas que usam o seu dom da palavra para engendrar conversações que facilmente manipulam as incautas almas que transitam nesta vida. E não faltam transeúntes desta vida tão facilmente iludidos, enganados e enredados pelos, também desta vida, seres bem-falantes…

Aprecio pessoas com o poder da palavra, o poder da conversação[1]. Sim, eu aprecio mesmo essa capacidade de falar fluentemente sobre algo, usando as palavras certas no lugar certo, de forma que tudo soe sinfónica e irrefutávelmente. Sim, é um dom incrível. Encontrar bons conversadores, aqueles com quem nunca nos vemos reduzidos a um monólogo por nós desempenhado[2] é algo que me apraz sobremaneira. A esses, aos bem falantes e não vendedores de banha da cobra[3], só tenho a dizer: continuem a conversar!

Keep Talking, de Pulse (álbum do Pink Floyd), é um dos muitos temas dos Pink Floyd que gosto muito e um daqueles que nunca me canso de ouvir. Bem, Pink Floyd é a minha banda favorita desde sempre. A número um. A insubstituível. A acima de todos. A por cima de todos. Paradoxalmente, Keep Talking não é um tema em que a palavra seja o ponto forte mas sim a música. Para quem não domina a língua de His Majesty King Charles III, prestei-me à prazerosa tarefa de legendar em português este vídeo dos Pink Floyd.

E que os deuses promovam em nós a boa prática da conversação…

Tema Musical: Keep Talking inPulse (álbum de Pink Floyd)”, ©1995
Video-clip: Pink Floyd ao vivo, The Division Bell Tour 1994, com legendas em português por ZeBarbosaF.
Imagem Frontal: de autor desconhecido.

  1. “Colloquy potestas” em latim.
  2. Exatamente o que acontece com pessoas que não conseguem alimentar uma simples conversa.
  3. Uma mentira, uma trapaça, um ludíbrio, uma vigarice. Hoje a expressão “banha da cobra” é usualmente empregue de modo pejorativo. E o “vendedor de banha da cobra” identifica alguém que é mentiroso, charlatão e de falsa índole.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Cidade do Porto