- Não confino porque tenho que ir para a faculdade.
- Não confino porque tenho de levar o filho mais velho à escola.
- Não confino porque tenho de levar o filho mais novo à creche.
- Não confino porque tenho de ir trabalhar.
- Não confino porque tenho de comprar bens essenciais para o agregado familiar.
- Não confino porque tenho de comprar bens essenciais para os meus velhos pais, coitados…
- Não confino porque tenho de ir à farmácia, não me estou a sentir bem…
- Não confino porque tenho de ir à farmácia, a minha velha mãezinha não se está a sentir bem…
- Não confino porque tenho de transportar o meu filho mais novo ao médico.
- Não confino porque tenho de transportar o meu filho mais velho ao médico.
- Não confino porque tenho de transportar o meu velho pai ao médico.
- Não confino porque tenho de transportar a minha velha mãe ao médico.
- Não confino porque tenho de ir dar sangue, pode alguém de repente precisar.
- Não confino porque tenho de ir às Finanças.
- Não confino porque tenho de ir renovar o cartão de cidadão.
- Não confino porque tenho de procurar emprego e responder a propostas de trabalho.
- Não confino porque a minha cunhada é vítima de violência doméstica.
- Não confino porque com tanto confinamento passei a ser vítima de violência doméstica.
- Não confino porque acho que no meu bairro está a haver tráfico de seres humanos.
- Não confino porque tenho de proteger aqueles jovens ali em perigo.
- Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus pais.
- Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus filhos.
- Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus vizinhos que são pessoas muito vulneráveis.
- Não confino porque tenho de realizar partilha de responsabilidades parentais.
- Não confino porque tenho de praticar exercício físico ao ar livre.
- Não confino porque tenho de praticar desporto ao ar livre.
- Não confino porque a minha profunda religiosidade não me permite faltar às cerimónias religiosas. sete vezes por semana.
- Não confino porque com tanta miséria tenho de fazer voluntariado, coitadinhos…
- Não confino porque tenho de visitar as pessoas institucionalizadas em lares, unidades de cuidados continuados ou centros de dia, que se sentem tão abandonadas…
- Não confino porque tenho de passear o meu cãozinho que, como qualquer pessoa, tem de fazer as suas necessidades…
- Não confino porque tenho de ir passear o outro cãozinho que também tem as suas necessidades.
- Não confino porque tenho de ir ao veterinário, porque os meus cãezinhos estão muito deprimidos.
- Não confino porque tenho de ir prestar assistência a tantos pobres animais por aí abandonados e eu sou PAN[1].
- Não confino porque tenho de visitar associações zoófilas, tão carenciadas…
- Não confino porque tenho de ir aos correios.
- Não confino porque tenho de ir ao banco.
- Não confino porque tenho de ir à seguradora.
- Não confino porque tenho de participar em ações de campanha eleitoral.
- Não confino porque tenho de ir votar.
- Não confino porque os outros também não confinam.
- Não confino porque tenho de ver se os outros estão a confinar ou não.
- Não confino porque… porque não, pronto!
E esta, hein?[2]. Portuga é espertinho, não é? Que esperteza saloia[3] a nossa! Não admira que nem 40% de portugueses tenham aderido ao confinamento “obrigatório” decretado pelo nosso hesitante governo. Ora toma, ó Tono[4], para não te armares em ditadorzinho de trazer por casa. Tudo indica que o povo decidiu unir-se numa de desobediência geral porque afinal “o povo unido jamais será vencido”[5]. Ora aí está como o povo português se une na luta contra a inventona da pandemia a quem, vários tugas mais iluminados, já chamam de “palermia”. É bonito ver-se esta dinâmica de massas. Pena é que este povo, que é o meu, não se dinamize igualmente para deixarmos de andar a pedir dinheiro pela Europa fora. E com jeitinho vai tudo decidir confinar no próximo dia 24, o dia das eleições presidenciais…
Bom, eu estou confinado. Sou medricas, o perigo é real e não tenho medo nem vergonha de ter medo. A situação será caótica se atingirmos a saturação dos nossos sempre parcos recursos. E em verdade, em verdade vos digo que não me apetece morrer de cu para o ar, entubado em tudo que é orifício corporal e à mercê de um equipamento que se falhar me vai transformar em lixo infeccioso. Tá certo, eu até faço questão de ser cremado quando morrer mas enquanto estou vivo deprime-me a ideia de eventualmente acabar em lixo infeccioso que, tal como qualquer lixo perigoso, tem que ser incinerado. E eu detesto estar deprimido…
Que os deuses se compadeçam e nos concedam crédito, porque disso gostamos nós…
- Pessoas Animais e Natureza, partido político.
- Referência a Fernando Pessa.
- “Esperteza saloia” significa agir de forma manhosa e velhaca.
- Referência a António Costa, o primeiro ministro, em jeito popular.
- Referência a um dos slogans na já esquecida Revolução de 25 de Abril de 1974.