Confinados… Mas Pouco!

  1. Não confino porque tenho que ir para a faculdade.
  2. Não confino porque tenho de levar o filho mais velho à escola.
  3. Não confino porque tenho de levar o filho mais novo à creche.
  4. Não confino porque tenho de i​​​​​r trabalhar.
  5. Não confino porque tenho de comprar bens essenciais para o agregado familiar.
  6. Não confino porque tenho de comprar bens essenciais para os meus velhos pais, coitados…
  7. Não confino porque tenho de ir à farmácia, não me estou a sentir bem…
  8. Não confino porque tenho de ir à farmácia, a minha velha mãezinha não se está a sentir bem…
  9. Não confino porque tenho de transportar o meu filho mais novo ao médico.
  10. Não confino porque tenho de transportar o meu filho mais velho ao médico.
  11. Não confino porque tenho de transportar o meu velho pai ao médico.
  12. Não confino porque tenho de transportar a minha velha mãe ao médico.
  13. Não confino porque tenho de ir dar sangue, pode alguém de repente precisar.
  14. Não confino porque tenho de ir às Finanças.
  15. Não confino porque tenho de ir renovar o cartão de cidadão.
  16. Não confino porque tenho de procurar emprego e responder a propostas de trabalho.
  17. Não confino porque a minha cunhada é vítima de violência doméstica.
  18. Não confino porque com tanto confinamento passei a ser vítima de violência doméstica.
  19. Não confino porque acho que no meu bairro está a haver tráfico de seres humanos.
  20. Não confino porque tenho de proteger aqueles jovens ali em perigo.
  21. Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus pais.
  22. Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus filhos.
  23. Não confino porque tenho de prestar assistência aos meus vizinhos que são pessoas muito vulneráveis.
  24. Não confino porque tenho de realizar partilha de responsabilidades parentais.
  25. Não confino porque tenho de praticar exercício físico ao ar livre.
  26. Não confino porque tenho de praticar desporto ao ar livre.
  27. Não confino porque a minha profunda religiosidade não me permite faltar às cerimónias religiosas. sete vezes por semana.
  28. Não confino porque com tanta miséria tenho de fazer voluntariado, coitadinhos…
  29. Não confino porque tenho de visitar as pessoas institucionalizadas em lares, unidades de cuidados continuados ou centros de dia, que se sentem tão abandonadas…
  30. Não confino porque tenho de passear o meu cãozinho que, como qualquer pessoa, tem de fazer as suas necessidades…
  31. Não confino porque tenho de ir passear o outro cãozinho que também tem as suas necessidades.
  32. Não confino porque tenho de ir ao veterinário, porque os meus cãezinhos estão muito deprimidos.
  33. Não confino porque tenho de ir prestar assistência a tantos pobres animais por aí abandonados e eu sou PAN[1].
  34. Não confino porque tenho de visitar associações zoófilas, tão carenciadas…
  35. Não confino porque tenho de ir aos correios.
  36. Não confino porque tenho de ir ao banco.
  37. Não confino porque tenho de ir à seguradora.
  38. Não confino porque tenho de participar em ações de campanha eleitoral.
  39. Não confino porque tenho de ir votar.
  40. Não confino porque os outros também não confinam.
  41. Não confino porque tenho de ver se os outros estão a confinar ou não.
  42. Não confino porque… porque não, pronto!

E esta, hein?[2]. Portuga é espertinho, não é? Que esperteza saloia[3] a nossa! Não admira que nem 40% de portugueses tenham aderido ao confinamento “obrigatório” decretado pelo nosso hesitante governo. Ora toma, ó Tono[4], para não te armares em ditadorzinho de trazer por casa. Tudo indica que o povo decidiu unir-se numa de desobediência geral porque afinal “o povo unido jamais será vencido”[5]. Ora aí está como o povo português se une na luta contra a inventona da pandemia a quem, vários tugas mais iluminados, já chamam de “palermia”. É bonito ver-se esta dinâmica de massas. Pena é que este povo, que é o meu, não se dinamize igualmente para deixarmos de andar a pedir dinheiro pela Europa fora. E com jeitinho vai tudo decidir confinar no próximo dia 24, o dia das eleições presidenciais…

Bom, eu estou confinado. Sou medricas, o perigo é real e não tenho medo nem vergonha de ter medo. A situação será caótica se atingirmos a saturação dos nossos sempre parcos recursos. E em verdade, em verdade vos digo que não me apetece morrer de cu para o ar, entubado em tudo que é orifício corporal e à mercê de um equipamento que se falhar me vai transformar em lixo infeccioso. Tá certo, eu até faço questão de ser cremado quando morrer mas enquanto estou vivo deprime-me a ideia de eventualmente acabar em lixo infeccioso que, tal como qualquer lixo perigoso, tem que ser incinerado. E eu detesto estar deprimido…

Que os deuses se compadeçam e nos concedam crédito, porque disso gostamos nós…

  1. Pessoas Animais e Natureza, partido político.
  2. Referência a Fernando Pessa.
  3. “Esperteza saloia” significa agir de forma manhosa e velhaca.
  4. Referência a António Costa, o primeiro ministro, em jeito popular.
  5. Referência a um dos slogans na já esquecida Revolução de 25 de Abril de 1974.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Cidade do Porto