Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer,
Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso,
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos,
Como estes pinheiros altos
Que em verde e oiro se agitam,
Como estas aves que gritam
Em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
É vinho, é espuma, é fermento,
Bichinho álacre e sedento,
De focinho pontiagudo,
Que fossa através de tudo
Num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
É tela, é cor, é pincel,
Base, fuste, capitel,
Arco em ogiva, vitral,
Pináculo de catedral,
Contraponto, sinfonia,
Máscara grega, magia,
Que é retorta de alquimista,
Mapa do mundo distante,
Rosa-dos-ventos, Infante,
Caravela quinhentista,
Que é Cabo da Boa Esperança,
Ouro, canela, marfim,
Florete de espadachim,
Bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
Passarola voadora,
Pára-raios, locomotiva,
Barco de proa festiva,
Alto-forno, geradora,
Cisão do átomo, radar,
Ultra-som, televisão,
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
Que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança.
Poema de António Gedeão