Corajosamente Só!

Depois de cerca de dez anos sem férias… sempre esperando a oportunidade certa, pelos mais diversos motivos… a esperança de fazer aquela viagem com aquela pessoa especial, o que seria soberbo!…

Decidi que não esperaria mais, pois a vida passa num ápice! Corajosamente só, segui com destino a F…

O avião descolou à hora prevista e chegou sem delongas, apesar da apreensão de todos os passageiros (eu incluída), depois do trágico acidente que se deu com um aparelho da mesma companhia aérea, que vitimou cerca de cento e cinquenta ocupantes.

Enquanto o avião sobrevoava a ilha pude reparar na paisagem árida, matizada por pequenos aglomerados de construções… uma paisagem despojada de qualquer tipo de vida, que alternava com pequenos oásis de vegetação densa e exuberante.

No transfer seguiam várias famílias com crianças de tenra idade. Ao meu lado um pai ia dando explicações à sua filhota sobre o que avistava.

  • (…)
  • Estás a ver as cabrinhas?
  • Quais cabrinhas? Aquilo não são cabrinhas, não têm chifres.
  • Claro que têm, filhota, então não viste?
  • Não são cabrinhas, porque não têm chifres, têm orelhinhas.
    (NOTA: fica sempre bem exibirmos os dotes da nossa descendência, especialmente quando temos público, que por mais que queira não consegue arredar pé.)

E a conversa continuou…

  • Estás a ver aquelas pedrinhas escuras? São iguais às que vimos em Lanzarote. Lembras-te?
  • Quais pedrinhas escuras? Não me lembro de nada.
    (NOTA: também é de bom tom esclarecermos, quem não conhecemos, de que somos pessoas viajadas.)
  • (…)

Finalmente o hotel! Já não era sem tempo… Um excelente duche e um merecido jantar. Dirigi-me ao restaurante “La Giralda” e o empregado perguntou-me se estava “sola”. Acenei que sim com a cabeça. Ofereceu-me um licor de rum com mel, que me caiu um pouco na fraqueza (devo confessar) e indicou-me a mesa onde poderia sentar-me. Enquanto o fazia, apresentou-me de longe o “chef de cuisine” que me cumprimentou com um largo sorriso (muy guapo).

À noite o vento era mistral e resolvi voltar para o quarto, onde acabei de ler “Os Novos Mistérios de Sintra”. Da varanda via-se, ouvia-se e respirava-se mar…

Levei na bagagem “Enquanto Salazar Dormia” de Domingos Amaral e apaixonei-me pela história. Fui intercalando a leitura com a escrita, e o espaço para as emoções que me acompanharam nesta viagem… amadureci ideias, reencontrando-me… realmente a ligação que se estabelece entre o livro e o seu leitor depende da maturidade intelectual e afetiva de cada um. Esta foi, sem dúvida, a altura ideal para ler este livro. As vivências amorosas daquele espião em tempo de guerra são absolutamente deliciosas e o epílogo é surpreendente, terminando com uma alusão ao filme “Casablanca”[1]

Na praia e piscina detive-me a observar os vários casais, uns com filhos, outros sem… Não presenciei um gesto ou um olhar cúmplice e pensei em quantos casais estão numa situação social, cultural e politicamente correta… se não entendo o que os une… consigo discernir o que me levou à rutura, caso ainda não o tivesse entendido…

A liberdade experimentada durante os dias que permaneci em F… será irrepetível…

Durante o dia, o sol que me queimava a pele e uma brisa fresca que a acariciava… queria que o tempo teimasse a passar…

Na praia descobri um cantinho de areia fina, clara e macia, rodeado de pequenas rochas escuras… elegi-o… e sempre que conseguia demorava-me por lá, absorvendo a sensação do lugar recôndito, onde a terra acabava e o mar começava…

À noite, o sossego na varanda do quarto, enquanto lia… simplesmente com o murmúrio do mar como fundo…

Numa das noites, enquanto admirava o céu, observei uma estrela cadente. Dizem que se deve pedir um desejo… foi o que fiz!… O livro “O Segredo” de Rhonda Byrne, revela-nos a mais extraordinária descoberta – que se deve acreditar… ninguém tem sido mais crédula do que eu… vã ilusão!… Mas o sonho comanda a vida, isso é um facto irrefutável.

Fiz por alguns momentos um regresso ao passado e desvendei a minha essência (ou erro)… por entre vicissitudes de glórias e perdas, é pelo sonho que tenho seguido, comovida e muda… haja ou não haja frutos…

Durante os jantares, enquanto ingeria as mais variadas especialidades gastronómicas (que para ser verdadeira, não consegui descodificar a maior parte dos ingredientes), sentia os olhares concupiscentes vindos de outras mesas e dava comigo a sorrir, não para quem me olhava, mas pela ironia da conjuntura…

Uma das noites saí do buffet e entrei no teatro. Assisti a um fabuloso espetáculo de Flamenco… no palco as cores eram fortes, as luzes intensas, as guitarras ressoavam e dois dançarinos fenomenais movimentavam os seus corpos numa cadência vibrante… absolutamente contagiante. Saí do teatro emocionada e sentei-me na esplanada do bar “La Plaza”, transportando o semblante de quem constrói sozinha, mas inundada de paz…

Ao longe ouvia-se um grupo espanhol cantar “How Deep Is Your Love” dos Bee Gees… procurei a resposta dentro de mim… e esta, revelou-se, iniludível.

No dia em que fiz as malas, invadiu-me uma imensa nostalgia, tinha de regressar à vida quotidiana, no entanto as memórias permanecerão e viverão para sempre em mim… como algo extraordinário.

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