Diz-se “apagão” em Português mas eu prefiro usar blackout porque fica bem um estrangeirismo de vez em quando para dar a impressão que sou uma pessoa viajada. Também porque este blackout foi internacional[1] e quando assim é então toma-se a lingua inglesa como sendo a dominante. De qualquer modo, apagão ou blackout nacional foi coisa que nunca me tinha acontecido antes na minha já longuinha vida. E vamos lá reconhecer, foi bastante assustador dado que o povo ficou por demais desorientado. Sim, isto de ficarmos de repente sem qualquer tipo de comunicação ao ponto de termos que recorrer ao velhinho rádio a pilhas para tentarmos saber o que se estava a passar é, convenhamos, assustador…
Sabemos as causas? Ainda não apesar de se falar em sobrecarga do sistema elétrico espanhol arrastando o sistema português que nele estava pendurado. Isso, o sistema de fornecimento elétrico português pendura-se no espanhol porque é mais barata a eletricidade vinda de Espanha que a produzida em Portugal. Convenhamos que logo aqui se deteta um problema: somos caros para produzir a nossa própria eletricidade, vamos a Espanha buscá-la mas pagamos em nossa casa o kilowatt muito caro, bué de caro. Sim, as contas de energia que nos são endereçadas ao fim do mês são normalmente de valor elevado apesar das poupanças de energia que fazemos ou tentamos fazer…
Podemos tirar que ilações? Para já e a quente há uma que podemos tirar: não estamos preparados para a adversidade, por exemplo uma guerra! Punhamos os olhos no povo ucraniano que vive estas privações e outras piores há mais de 3 anos e sejamos humildes: temos tido sorte e temos vivido séculos longe de grandes catástrofes porque se alguma houvera iríamos descobrir que só temos é garganta. Isso mesmo, fala-se, fala-se, fala-se, fala-se, montes de reuniões, montes de comissões de inquérito, montes de power-points e depois vai-se a ver… Nada! Vejamos, não é por acaso esta a nossa pobre realidade, por exemplo, no caso dos incêndios? Qual realidade? A de que gostamos de falar bonito, adoramos abrir inquéritos, averiguar os factos, descobrir as causas para atacá-las de frente mas todos os anos temos cenas lamentáveis de hectares infindáveis a arder…
Vamos aprender algo com este blackout? Historicamente eu diria que nós até aprendemos algo com as adversidades, eventualmente até sabemos elaborar planos de ação mas, é este o nosso problema grave, fica tudo em «águas de bacalhau»[2] ou seja, fica tudo perdido algures na gaveta de um alguém muito ocupado que não tem tempo para executar o tal plano ou planos. Ou se calhar até tem tempo mas tem também um milhar de outras razões para deixar o plano de ação enterrado num monte de papel onde já estão vários outros planos de ação esquecidos. É isso no caso dos incêndios florestais, vai ser isso também no caso deste blackout que, quer em Espanha quer em Portugal, não devia ter nunca acontecido. Não, em pleno século XXI e quando enchemos a boca de colheradas cheias da inteligência artificial[3], não deveria acontecer um apagão ou blackout nacional em que as pessoas, milhões delas, se sentem perdidas e inseguras sem saberem como proceder perante a falha de produtos básicos como eletricidade ou água[4]. Ou melhor, o blackout até poderia acontecer mas a confusão não. Pelo menos num país que se diz na vanguarda da civilização…
De que precisamos então? Precisamos de disciplina e planeamento! Mas a disciplina consistente obtém-se na formação inicial do ser humano ou seja, na escola. Isto de, perante uma adversidade de grandes proporções, irmos a correr para o supermercado a pensar somente em nós de tal maneira que vamos açambarcar tudo quanto pudermos, não é a solução socialmente correta. Esta componente egocentrista e egoista deve ser limada logo à nascença e, de preferência, extinta. Se formos disciplinados, seremos suficientemente frios e calculistas para optarmos pelas melhores ações no sentido dos interesses da comunidade em que nos inserimos. “Ah, mas latino não consegue ser frio e calculista”, poderá alguém altercar. Negativo! Leva tempo mas começando pela base, ou seja pela escola, conseguiremos destruir este nosso lado de orgulhosos improvisadores. Não, o improviso até é útil em comportamentos ocasionais mas não como comportamento sistemático. Se conseguirmos sermos disciplinados então seremos capazes de planear. Teremos assim de pro-agir em vez de simplesmente reagir, de dar espaço à racionalidade em vez da emotividade e de pensar em termos comunitários pois, se a comunidade ganha, então nós também ganhamos porque somos parte dessa mesma comunidade.
Que os deuses nos iluminem…
- Aconteceu ontem e teve origem em Espanha devido a uma alegada sobrecarga da rede que originou um apagão em Espanha e Portugal.
- Permanecer tudo na mesma, não dar nada, não dar resultado.
- IA em português ou AI, artificial intelligence, em inglês.
- Por exemplo, em muitas habitações se falhar a eletricidade também falha a água. Também muitas são as situações em que falhando a eletricidade falha a internet, a TV e o telefone.