Síndrome de Steve Jobs

Há umas semanas revi o filme “Jobs”[1], protagonizado por Ashton Kutcher, acerca deste monstro do empreendedorismo tecnológico que é o Steve Jobs. Quer se goste ou não, a verdade é que ele se mantém como uma inspiração para muitos empreendedores, um pouco por todo o mundo, em diversas áreas.

Uns dias antes, curiosamente, falava com alguém sobre a minha paixão. Acho que não tenho nenhuma. A não ser por pessoas, talvez. Talvez eu não tenha sido incentivada a tal. Já tive várias conversas sobre isto, em fases diferentes da minha vida, que dariam um debate digno de Prós & Contras – muito seria discutido e pouco seria conclusivo. Surgem, então, algumas dicotomias neste tipo de reflexões: trabalho vs talento; educação vs aptidão; as nossas origens vs traçar um caminho novo.

Durante cerca de 2 anos estive muito ativa numa empresa de marketing relacional (à semelhança das AVONS[2] e RE/MAX da vida…) que nos dava formação em coaching – algo motivacional, portanto – e que nos dizia que podíamos ser tudo o que quiséssemos, que todas as ferramentas estão ao nosso alcance. Bastava imitar os melhores, conhecer as suas histórias, perceber o que fizeram, com quem se inspiraram, como começaram. Curiosamente, pouco se falava de falhanço e de como lidar com isso – o que sempre me pareceu essencial nesta equação apresentada aos pequenos empreendedores. De repente, todos podemos ser donos do nosso próprio negócio!

E vocês já vão perceber como todas as conversas se interligam.

Pois, das histórias que passei a conhecer – Steve Jobs, Cristiano Ronaldo, Michael Jordan –  percebi que, de facto, as circunstâncias externas poderiam ter sido obstáculos para eles. Nenhum deles, na verdade, veio de ambientes familiares ou sociais favorecedores e, definitivamente, nenhum deles era rico ou perto disso. Todos podemos vir de circunstâncias externas adversas – então, de certo modo, somos e começamos como eles, não é ?

Não. Muitos de nós não possuem aquilo que faz virar a mesa e fazer o nosso caminho. Muitos de nós não possuem uma ambição intrínseca e intensa que, ao longo de anos parece sempre ter estado latente, latejante, nos seus âmagos. A constante sensação de desenquadramento, talvez, a constante sensação de desajuste, de estar àquem, de o mundo não estar a corresponder ao que realmente procuravam para si.  O que estas pessoas inspiradoras têm surge, primeiramente, de dentro delas, da sua essência. É algo que apesar das voltas que a vida dê, apesar das suas origens, está lá e, por vezes, já na idade adulta, finalmente ganha asas e vinga. Isso nem todos temos – aliás, arrisco dizer que a maioria não o tem. Eu sei que eu não o tenho.

Pensem, por exemplo, em que altura eles começaram a ser falados e há quantos anos, na realidade, eles já estavam no seu setor de atividade. O que vemos hoje e que admiramos é a ponta do iceberg, é o resultado final, são os frutos de um longo e duro crescimento. Ninguém imagina, sequer, as provações ou sacrifícios que tiveram que fazer.

Acho que, na nossa educação formal e informal, o nosso potencial deve ser explorado, sim! Acho que deveria ser mais incentivada a criatividade, pensar fora da caixa, inventar, criar, sim. O caminho não está absolutamente nada facilitado, por muito boas intenções que tenham inclusivamente as pessoas que nos sustentam em crianças (pais, avós, tios…). Mas não concordo que esteja ao alcance de todos esse sucesso megalómano, porque não está dentro de todos nós essa ambição fervilhante – e sim, tem que ser fervilhante para se ser determinado, focado, resiliente durante grande parte da nossa vida. Arrisco dizer até que muitas pessoas não possuem sequer as soft-skills necessárias para gerir um negócio ou um projeto. Alguns provavelmente ainda andam à procura de quem são e que diferença podem fazer no mundo; outros provavelmente não o irão descobrir durante grande parte da sua vida.

Então, por favor, pare de se vender a ideia (porque há pessoas a ganhar dinheiro com isto) de que podemos ser todos Steve Jobs, Pavarottis, Picassos, Saramagos, Sizas Vieira[3]. Eles são dignos da nossa admiração, sem dúvida! E em linha com esses exemplos e admiração acho que seria mais construtivo, na verdade, sermos incentivados a conhecermo-nos realmente e a sermos nós mesmos, porque esse deverá ser sempre o ponto de partida.

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