É quando alguem sofre que esse alguem precisa de elevar os olhos aos céus e procurar um ser superior que seja capaz de o/a salvar. Esta é uma necessidade básica dos seres humanos quando atravessam situações espirituais ou materiais miseráveis. Esta é a base fundamental da religião. Isto é a religião.
Como parte integrante da humanidade, nós em geral não confiamos muito nos membros do nosso clube. Quando as coisas correm bem, somos muito amigos uns dos outros. Quando não, precisamos de um deus. Que vidrinhos que nós somos. Que minúsculos nós somos. Que maricas que nós somos. Que coisinhas pequeninas somos. Não somos? Se eu fosse um deus, eu iria rir-me até mais não poder dos humanos e iria divertir-me à farta com eles. À farta! Na minha opinião, nós não mereceríamos o respeito dos milhares de deuses que inventámos, se eles existissem.
Eu até poderia dizer “Deus não existe” mas não digo. Como ateu que sou, não sinto qualquer prazer em afirmar a minha posição de não crente, se a definição de ateu nos conduz à prática de não acreditar em qualquer deus que seja. Mas eu tenho os meus próprios deuses. De outro modo não faria sentido acabar alguns dos meus artigos com a frase “que os deuses nos protejam” ou “que os deuses estejam connosco”. O que eu nunca faço é elevar os meus olhos ao céu quando as coisas correm mal. Os meus deuses não vivem lá em cima. Isto significa que eu sou um ateu apenas para aqueles que acreditam que os seus deuses vivem lá em cima. Seja como for, se o contrário de ateu implica acreditar na existência de deuses, então eu não sou um ateu. Eu criei os meus próprios deuses há uns anos e desde então estou em paz com eles todos. Infelizmente, dificilmente estou em paz com os humanos. Problema meu, eu sei…
Os meus deuses são muito parecidos com os amigos invisíveis das crianças. Falo com eles mas não lhes rezo. Eles falam comigo mas não me comandam nem me ameaçam. Eles não aceitam serem chamados quando me sinto em perigo e não se importam se uso seus nomes em vão. Eles apreciam a minha frase “que os deuses estejam contigo” porque apreciam qualquer operação de marketing que os promova. Deixam-me usá-los como o buraco onde todos nós humanos gostamos de enfiar a cabeça quando estamos em situações merdosas que não sabemos resolver. Não me obrigam a construir templos dourados e me fulminariam se por acaso eu sacrificasse ou guerreasse alguém em seu nome. Eles realmente são omnipotentes e omnipresentes. Estão-se borrifando quando me comporto como um ateu e riem-se que nem perdidos quando me perco no meio dos conceitos de ateismo e agnosticismo ou no meio de comportamentos ateístas e agnósticos desvairados. Na realidade, situo-me muito frequentemente numa posição indeterminada entre não acrediatr em deus e não saber se devo ou não dar relevo a esse assunto. Por outras palavras, posso por vezes ser um ateu agnostizado ou um agnóstico ateísta até porque por vezes os meus deuses são-no, outras não.
Então, o que fazer quando estamos bloqueados numa situação merdosa em que ninguem consegue ou quer ajudar-nos, nem mesmo nós mesmos, e não acreditamos em deus (ou deuses)? É precisamente para evitar a terrível dor de cabeça que a resposta a esta questão daria que homens e mulheres preferem aceitar sem argumentos e debates a existência de Deus. Fácil. Pacífico. Quando estamos sintonizados com praticamente toda a gente que nos rodeia, encurtamos o caminho para a felicidade com o maior dos prazeres. Assim, a partir daí, para os momentos da vida em que tudo à nossa volta parece estar a cair, apenas dizemos “Se É Mesmo Isso Que Queres” e está feito. Nem sequer argumentamos sobre as causas e os efeitos porque apenas nos limitamos a acreditar. Não há religião sem fé. Acreditamos porque temos fé, temos fé porque acreditamos.
Leonard Cohen ainda é um dos meus favoritos. E nem a homosexualidade e/ou transexualidade de Antony Hegarty, o/a intérprete deste fabuloso tema, me impede de ter Leonard Cohen como uma referência.
Que os deuses estejam connosco nestes nossos calvários…
Tema Musical: If It Be Your Will de Leonard Cohen in Various Positions, © 1984
Vídeo-clip: Antony Hegarty interpreta Leonard Cohen, legendas em português por zebarbosaf.