Cada um de nós é a soma vectorial de vários vectores que nos vão aparecendo pela frente desde o momento que o espermatozóide do papá foi apressadamente encontrar-se com o óvulo da mamã. Somos, em suma, o resultado de acasos que queremos afincadamente acreditar que são obra de algo ou alguém que nos é infinitamente superior. No fundo, somos um mero arranjo matemático de coisas que nunca haveremos de entender e que se refletem em nós. E isso irrita muita gentinha neste mundo que cisma teimosamente em querer compreender as coisas que não têm que necessariamente serem compreensíveis…
Portugal é cada vez mais o refúgio de Brasileiros que fogem do seu país porque atingiram o limiar de tolerância ao caos. O Brasil nunca foi grande coisa para além de um território enorme, muita riqueza natural e muita gente por lá desordenamente espalhada. Nada do que o Brasil é agora é responsabilidade nossa. Nem a língua que tem de tudo menos de Português. Recuso-me a afirmar que Brasileiro fala a língua Portuguesa. E até nem são más pessoas, se resolvermos fantasiar sobre a natural bondade do ser humano em geral e dos latinos em particular. Mas os coitados têm razão em fugir. Quando lá estive há uns 15 anos, durante dois belos inesquecíveis anos, o Brasil já era a violência em pessoa. Com sorte e muita disciplina lá nos conseguíamos escapulir por entre facas e pistolas em riste que aquele povo empunha com uma facilidade tremenda. Mas pior que a facilidade é a frieza com que o fazem. A vida nada vale para muitos daqueles duzentos milhões de transeúntes da vida e a morte ainda menos.
Foi na Senhora da Hora, Matosinhos, Portugal, que fotografei esta linda imagem. Os personagens pintados na parede só podiam ser Brasileiros. Jagunços oriundos daquelas terras amazónicas quase sem fim, onde o mar é para muitos longe p’ra caraças e a terra nunca mais acaba. Assim como a esperança de serem alguém minimamente importante está longe p’ra caraças e a pobreza nunca mais acaba. Mas em Portugal têm encontrado aquele pequeno espaço acolhedor para lançarem os seus exóticos negócios, como por exemplo a Capoeira, uma arte de combate (não sei se de ataque ou de defesa) toda brazuka que eu já presenciei e a que achei muita piada. Aqui, Brasileiro está encontrando aquele território de gente que dizem amar e adorar e curtir porque é sempre bom dizer bem de quem nos acolhe. Aqui, os Brasileiros já são mais que as mães mas está bem. Na proporção em que nos auto-extinguimos eles vão ocupando o espaço que vai ficando livre.
Somos sim o reflexo da nossa cultura e eles também. Quando há umas décadas precisámos, invadimos o território deles com a nossa “valise en carton” e muita vontade de sobreviver. Agora que eles precisam, invadem o nosso território com a sua “valise” de qualquer coisa e também com muita vontade de sobreviver. E está bem. Sendo nós o reflexo da nossa cultura continuamos a ser muito tolerantes com quem entra… E com quem sai. Somos sim, tolerantes a tudo o que vem de fora desde que venha por bem. E recebemos, e gostamos de receber, e gostamos de acarinhar, e gostamos de abrigar, e gostamos de alimentar, e… Esta é a essência do povo Português. Esta é a sua cultura. Estamos tão empenhados em hospedar bem o peregrino que até nem reparamos que qualquer dia não haverá Português nenhum para contar como eramos…
Xenofobia não faz parte do meu vocabulário. As pessoas são pessoas e seria uma tremenda burrice, ou falta de inteligência, se antes de ver que uma pessoa é pessoa estivesse a ver que idade tem, de que género, qual a cor, as habilitações académicas, etc, etc. Uma pessoa é uma pessoa desde que seja pessoa por bem. E assim vamos aceitando quem vem por bem. E vir por bem é também trazer negócios exóticos. Novas visões e novas sensações. A cultura é o que fazemos dela e o que vai permanecendo no nosso quotidiano ad-eternum[1] porque com isso nos sentimos bem. Nos identificamos. Nos faz sentir em casa quando estamos em casa e sentir saudade quando não estamos.
Cada um é reflexo da sua cultura…