Reflexos de Sistemas Operativos

O limite das nossas relações está no “não” que dizemos, está na disponibilidade que demonstramos, está no espaço que definimos como nosso. Por vezes, é difícil concretizar esses limites, pelo menos para mim. Existe um receio (infundado ou não) de algum tipo de rutura, de que as coisas não voltem ao que eram antes, de que qualquer alteração na relação pode fazer com que se perca alguma coisa importante.

E sim, é cansativo medir todos os passos. Felizmente, há pessoas que nos fazem sentir bem e nem sequer pensamos na forma como a relação evolui. Nós só refletimos quando percebemos que aquilo que assumimos que era recíproco, afinal não é.

  • Adoro falar com ela, desabafo sobre tudo – por que motivo não faz o mesmo quando algo não está bem? Será que não gosta de mim? Não confia em mim? Eu só quero ajudar!
  • Adoro estar contigo e partilhar o meu dia – por que estás tão distante hoje? Estás zangado comigo? Queres acabar?

Já aqui antes falei de respeitar o silêncio e o afastamento de quem nos é querido. Falei, mas parece que continuo sem conseguir colocar em prática. A questão é que nos colocamos no lugar do outro, pensando “eu faria assim”. Isso não é empatia. Na verdade, isso é ver os outros com os nossos olhos. O maior desafio é ver os outros, com os olhos deles. Cada pessoa é um mundo, cada mundo tem as suas leis. Isto é tão difícil de aceitar, por vezes, e em alguns casos torna-nos controladores e inseguros.

Eu, por exemplo, retraio-me ao menor sinal de tentativa de controlo, ao estilo “o que é melhor para mim, é melhor para ti”. Mas depois caio no erro de achar que outros deveriam ter uma determinada forma de encarar as adversidades – que, na realidade, é a minha forma.  Fico desiludida/triste/magoada quando percebo que não agem como eu – agem como eles.

Infelizmente não somos um sistema operativo dotado de inteligência artificial que assimila tudo sobre o outro. Temos que procurar aprender o melhor possível, esperando que o cérebro e o nosso coração não nos traiam. Por vezes, as coisas fluem naturalmente. Outras vezes, algumas conversas ao longo do tempo ajustam a situação. Outras vezes ainda torna-se mesmo impossível lidar com aquela pessoa, parece que ela não quer aprender sobre nós. Dá erro várias vezes. Na maioria das vezes, a verdade é que também não queremos aprender sobre ela. Continuamos na nossa base de dados, no nosso contexto, e assumimos coisas que, na realidade, são nossas e não do outro.

Continuo a acreditar que os verdadeiros amigos aprendem mutuamente. Mas talvez não devesse ficar tão irritada ou frustrada quando percebo que a aprendizagem não é mútua. Nessas altura, talvez haja também uma parte de mim que não quer aprender. Infelizmente não podemos ver o outro como um reflexo de nós (embora certamente muitos dos nossos amigos e amantes partilhem algo da sua personalidade connosco). Em situações de crise deveríamos ser capazes de procurar assentar ideias e tentar perceber a situação à distância e, idealmente, aos olhos do outro. Não sabemos, perguntamos. Não entendemos, respeitamos… no final, talvez seja suposto simplesmente seguir em frente, cada um com os seus sistemas operativos e bases de dados… mas, por favor, sem assumir que o erro está apenas no outro.

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