Os Homens Do Leme

Mas também podiam ser mulheres, se elas ascendessem ao leme. Não interessa mesmo porque o foco aqui é quem está ao leme e a forma como nós Portugueses nos relacionamos com esse quem.

E a forma é muito Lusitana: tudo de mau é culpa deles, tudo de bom é culpa nossa. Ou seja, se o navio choca contra um iceberg ou um rochedo ali bem no meio do alto-mar, só mesmo o homem do leme é o culpado. Se há quem não saiba mesmo dirigir um navio, é o homem do leme. Se há quem seja incompetente, é o homem do leme. Se há quem está onde está por mero manusear de cunhas, é o homem do leme. Se há quem esteja onde nunca devia ter estado, é o homem do leme. Se há mal que veio ao mundo, é o homem do leme. Se há quem não perceba mesmo nada do que faz, é o homem do leme. E se o homem do leme não fosse o homem que está no leme, iríamos mais longe. Em menos tempo. Com menos custos. Com mais proveitos. Com mais isto. E menos aquilo. E etecétera e tal…


Homem do Leme (Porto).

Nós Portugueses, que na nossa existência nada mais fizemos que descobrir mundos que outros não queriam descobrir, somos assim mesmo. Lerdos com língua afiada, sempre escondidos lá no fim da fila a mandar uns bitaites como se fossemos gente grande. E até nem sabemos muito de História porque, se soubessemos, iríamos perceber que dos que se escondem lá no fundo da fila não reza a História. Dos que ficam à espera de um malfadado rei que muito pouco sabia de estratégia militar[1]. Dos que ostentam orgulho pessoal do tamanho de baleia e orgulho nacional do tamanho de sardinha petinga. Dos que fogem de sua terra natal em crise, pojados com ar de arrojados conquistadores de um mundo desconhecido, enquanto gordas lágrimas de crocodilo lhes correm pela face por não serem acarinhados por sua terra mãe. Dos que acham que a pátria por eles deve lutar mas que por ela nada têm que se esforçar…

Os homens e mulheres que pegam no leme são, em muitos dos casos, corajosos. Tomaram a iniciativa. Estão lá, dirigindo. Estão lá para dar e receber. Ao vento, ao sol e à chuva. Estão lá a arriscar. Estão lá porque quiseram estar enquanto outros não quiseram. Esses outros que maldizem. Que esperam o deslize do homem do leme que lhes dará o prazer de libertarem o seu veneno. Os homens e mulheres que pegam no leme são, sempre, os que descobriram que o barco não se auto-dirige. Que descobriram que para chegar a bom porto, alguém tem de estar ao leme. E fazem-no. E avançam. E são mais ou menos altruístas. Mais ou menos autoritários. Mais ou menos totalitários. Mais ou menos solidários. Mais ou menos seja o que for enquanto dirigem os que mais ou menos não passarão nunca de dirigidos.

E não há fracos homens do leme a levar o barco a bom porto? Há. Tanto como fortes homens do leme a levar o barco a mau porto. É! Assim mesmo. A verdade absoluta que nós humanos somos: criaturas contraditórias. Incongruentes. Inconstantes. Praticando toda a nossa ávida vontade de dominar sobre quem nos rodeia. E sobre quem forçaremos a rodear-nos. Com a ajuda dos demónios e dos anjos que não são nem melhores nem piores que nós. E sempre, mas mesmo sempre, queremos pegar no leme. No leme daquele barco bem pejadinho de criaturas orgulhosas e muito maldizentes que nunca deixarão de ser os dirigidos pelo homem do leme. Aquele que, bociferam, nunca deveria ter posto as suas mãos no leme porque, altercam, nem sabe o que é um leme.

Que os deuses nos guiem…

  1. O dito cujo D. Sebastião que nunca mais voltou numa manhã de nevoeiro…

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