Leio, Logo Talvez

A ignorância é, sem dúvida, uma arma não letal muito usada por pequenas forças dominantes em pequenos ou grandes contextos totalitários. Mas o que é um facto é que mantermo-nos na ignorância, quais “Homo ignorans” assim um pouco na onda do “A ignorância é uma benção!” ou de “Se desconheço, não serei responsabilizado!”, é efetivamente um garante de alguma proteção individual. Sim, concordo, a ignorância pode ser um equipamento de proteção individual mas a minha ignorância de eleição é aquela ignorância livremente assumida! Aquela que gera aquela paz interior que advém do facto de se saber pouco do que se passa à nossa volta já que, na sua maioria, o que se passsa à nossa volta não interessa nem ao menino Jesus…[1]

Fazendo um «bypass» àqueles que se mantêm na ignorância porque outros valores mais altos se levantam[2], uma grande maioria dos seres humanos faz questão de se mostrar sabedora. Conhecedora. Superior. Dominadora! Só que estou tão cansado de gente superior e dominadora que me lembrei de elaborar e escrever um devaneio em estilo “roda-livre” sobre todos os seres superiores que me rodeiam ou já me rodearam. Muitos deles já se finaram como muito provavelmente vou finar, feito pó de cinzas. Outros ainda andam por aí mas não querem com certeza pensar em como vão finar por estarem demasiado ocupados a serem superiores ou porque a sua superioridade não é assim tão elevada que lhes permita pensar nisso sem serem afetados por isso. Sim, todos nós, superiores ou não, acabaremos como decoração exemplificativa da muito interessante frase inglesa “we therefore commit this body to the ground, earth to earth, ashes to ashes, dust to dust; in sure and certain hope of the Resurrection to eternal life.“. Claro que a superioridade de quem se sente superior não lhes permite pensar que não regressarão do seu estado postmortem pois caso contrário lá se ia a toda aquela superioridade pelo cano abaixo…

Se me perguntarem porque que é que acredito piamente que a vida não faz sentido nenhum, é aí que eu vou dar, nascemos do sabe-se lá o quê para todos terminarmos em nada. Será que sentir prazer durante 80 ou 90 anos de vida vai dar sentido a essa vida desde o momento que a adquirimos até ao momento em que a perdemos? Aí está o busílis da questão e onde, precisamente, muitos divergimos nos actos e nos pensamentos. Para mim, a vida não faz sentido só porque vivemos 80 ou 90 anos de intenso prazer. Primeiro porque ninguém vive 80 ou 90 anos de intenso prazer. Segundo, numa perspetiva matemática, sendo a nossa «genesis» hipoteticamente alguma coisa e o nosso «apocalipse» nada, mesmo que consigamos passar 80 ou 90 anos de intenso prazer e a convencer alguém que os meios justificam os fins, inevitavelmente acabaremos em nada! Por outro lado, é tão relativo o conceito e a prática de “felicidade” que nem dispendo tempo algum, que seja, a pensar nisso. A felicidade é então para mim, como sempre foi, um não-assunto…

Eu não leio[3]! Se pontualmente quero saber o que este ou aquele pensa ou pensou sobre algo, pergunto-lhe. Se não consigo perguntar-lhe então o que ele ou ela pensa ou pensou deixa de ser relevante para mim. Se efetivamente for relevante, vivo na era da Internet e isso permite-me ir dissecar cirurgicamente, por leitura ou visualização de imagens, aquele preciso assunto que eventualmente me interessa e é relevante. Por exemplo, nunca li José Saramago mas não suporto essa criatura. Porquê? Bastou-me ouvir algo sobre ele que vincadamente não gostei para decidir que iria detestar lê-lo. Preconceito? Obviamente! Os preconceitos existem e fazem bem à saúde mental, por isso recomendo vivamente. Na minha intelectualóide puberdade, passei os olhos por Jean-Paul Sartre, Karl Marx, Wilhelm Reich, Albert Camus, Friedrich Nietzsche e poucos outros criadores de letras tipográficas em carreirinha. De todos os poucos outros que li, adorei Asterix e Obelix, Lucky Luke e a inesquecível coleção “6 Balas” com os seus pequeninos livrinhos que eu devorava porque, entre outras coisas, eram pequeninos e eu atravessava uma fase adolescente cheia de fantasias Western na base do “pum, pum, tás morto”…[4]

Sim, sou um bronco! Hélas! Não tenho nem nunca tive um livro na minha mesinha de cabeceira até porque em largos períodos da minha existência nem sequer mesinha de cabeceira tinha. Claro que li (e continuo a ler) imenso ao longo da minha existência senão não teria finalizado o meu cursinho universitário mas, entenda-se em abono das minhas opções, nunca me deitei a ler um compêndio de “Algebra Linear”, “Circuitos Digitais” ou “Cálculo diferencial e integral”, volume I ou II, de Nikolai Piskunov[5]. Exatamente isso! Sempre li muito em modo profissional, raríssimamente em modo lazer[6]. No que me diz respeito, a proteção que a ignorância nos oferece vai muito para além ou para aquém da vergonha que não sinto ao responder “não leio” às típicas perguntas oriundas de intelectualóides à força que por aí proliferam. Para mim, a inteligência mede-se pela nossa capacidade natural de criação e/ou construção de meios para suprir as nossas limitações perante os diversos desafios da vida. E aqui “natural” significa mesmo natural, virgem, inata. Aquilo que vamos adquirindo ao longo da vida é apenas informação mas, claro, quanto mais informação recebermos melhor serão os resultados da aplicação da nossa inteligência. E quanto mais formação recebermos para utilizar essa informação, maior é a probabilidade de atingirmos a excelência. Que excelência, damn it?

O mundo dos humanos está cheio de gente excelente! De gente que lê muito. Bué de muito! De gente com enormes estantes Ikea em suas casas pejadas de livros e mais livros sobre ‘tudo e mais alguma coisa’ porque para essa gente ‘tudo’ não é suficiente. Ler é… O que interessa e a quem interessa o que ler é? Ler é o que é para quem o é! Para mim, são as pequenas coisas da vida que me enchem o ego e que me ajudam a atingir o pleno da minha existência. Não atingi o pleno da minha mas não foi por não ter lido José Saramago, Fernando Pessoa ou outras vedetas da literatura que não a atingi. Falhei o pleno porque não nasci dotado das ferramentas naturais que me permitiriam atingir o pleno e igualmente assim seria se tivesse lido carradas de calhamaços inundados de letras tipográficas em carreirinha a tentarem fazer sentido para alguém. Conhecer pode-se tornar perigoso para quem conhece tanto como se pode tornar fonte de prazer. Importante é nós sabermos primeiro o quê e quanto do quê queremos conhecer. O quê e quanto do quê aguentamos conhecer. O quê e quanto do quê nos ajudará a sobreviver, viver quiçá, os 80 ou 90 anos[7] em que esperamos pelo nosso finar…

O qual não será nem mais nem menos que… nada!

  1. Como eu adoro esta frase da minha adolescência e puberdade “isso não interessa nem ao menino Jesus”!
  2. A satisfação das suas necessidades primárias e básicas…
  3. Quer ler um outro artigo meu sobre hábitos de leitura? Aqui…
  4. Eu não era o único fã! Veja aqui mais
  5. Na altura não odiava russos como odeio hoje mas ainda guardo aqueles livros emblemáticos…
  6. Há outros lazeres que prefiro…
  7. Falo muito neste período de tempo por ser nesse intervalo que se situa a esperança de vida dos homens e mulheres portugueses.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Cidade do Porto