… E enquanto se imagina que nada será como dantes, cada gesto é um claro sinal de que tudo será como sempre foi. Porque ninguém está mesmo empenhado em abdicar do seu Eu. E o seu Eu toma as formas do que se prevê mais adequado para ainda mais engrandecer o seu já de si ampliado Eu. E tantas são as metamorfoses ao longo da existência que o Eu não mais é capaz de se manter coerente, único, identificável. E os Eus assim se vão tornando criaturas monstruosas. E para assim se manterem vão sugando os ingénuos Eus dominados pela circunspecção. E eis que um dia a monstruosidade passa a ser o belo. O atraente. O must. O brutal. E na procura de mais beleza e atração, o Eu mais se transmuta. E de tanta ânsia de engrandecer, caminham os Eus firme e orgulhosamente pela passerelle da existência. Vaidosos. Orgulhosos. Altivos. Amaneirados. Ufanos. Pressa. Depressa. Passo lesto, porque o tempo urge e na ribalta não há espaço para todos. E de todos poucos serão os abençoados com os holofotes. E não se olha quem vai ficando para trás. Quem teima em não transmutar, permanecer circunspecto, inerte, hesitante, perdido entre aromas e sabores estranhos. Quem já era, quem não é, quem não consegue ser. E o sangue de quem é sugado é energia para quem suga. E as suas lágrimas são o tempero nos lautos manjares desses Eus transmutados e assim tornados criaturas montruosas.
E eis que um dia a monstruosidade passa a ser o belo. E todos os Eus vão querer ser monstros. E então terão atingido o novo normal. E fecharão os anormais, os incapazes de se prostrarem perante a nova beleza, a nova excelência. Ou quererão transmutá-los. Ou reprocessá-los. Quem sabe, torná-los Eus em extinção…[1]
Video-clip: interpretação por The Watch (cover) em sessão online[2], legendado em português por ZeBarbosaF[3]
Imagem Frontal: cortesia de Nat1t.
- E no intervalo entre o início e o fim deste artigo deixámos morrer mais uns quantos velhadas na nossa terra. Portugal a rejuvenescer…
- Impressionante a proximidade da execução vocal e instrumental desta banda italiana que decidiu revisitar Genesis em tempo de pandemia. E logo com um tema espetacular como este, The Lamia, cheio de alucinação e bem ao estilo da malta roqueira dos anos 70. Neste cover, a banda contou com a participação de John Hackett (flauta), irmão do guitarrista Steve Hackett que chegou a fazer parte da banda Genesis.
- O ficheiro de legendas foi criado com a aplicação gratuita Subtitles Edit que pode obter aqui.