Irritações na Sombra do Eixo

A COVID-19 e os quase 3 milhões de vítimas que causou em todo o mundo até hoje, podem ser o tema central dos nossos pensamentos mas não devem ser o único. Deve haver espaço para o devaneio, a distração, o relaxamento dos circuitos nervosos com, por exemplo, trivialidades como o que está a bombar nos canais da nossa TV. Ultimamente, por tanto tempo passado em casa e consequente alteração do meu bioritmo, optei por marcar na minha agenda eletrónica aqueles programas de televisão que gostaria de ver, não fora o esquecer-me sempre da hora e do canal de TV onde são transmitidos. Sendo eu um homem das engenharias, privilegio os auxiliares de memória eletrónicos e por isso Irritações na SIC Radical, Governo Sombra na SIC Notícias e o Eixo do Mal na SIC Notícias já não me passam ao lado e assim vou seguindo semanalmente os jeitos e trejeitos críticos de vários dos nossos comentadores profissionais de… coisas!

Sendo eu um analista de renome cuja fama me precede, começarei pela análise macroscópica destes programas para depois passar à microscópica, ou seja, cada programa per si. Em primeiríssimo lugar destaco o facto de que os três programas passam na SIC, acérrimo rival da RTP, canal privado que eu levo consideravelmente a sério porque dali saem às vezes coisas que vale a pena deixarmos que nos façam ficar colados à caixinha mágica. Confesso desde já que me custa imenso parar na TVI no decurso dos meus doentiamente crónicos zappings, sempre praticados quando estendo o meu velho corpo de macho pelo também velho sofá assexuado. Isso mesmo, o “zapping” é coisa doentia e, apesar de ainda não ser oficialmente considerada uma doença pela DGS e OMS[1], deveríamos estar atentos a este incontrolável tique nervoso que afeta uma considerável fração da população portuguesa que se presta a ver TV. Enfim, adiante…

Todos estes programas acima mencionados passam na SIC, um canal que aprecio deveras. Não os imagino a passarem na RTP porque é o canal do Estado e por isso considera-se acima (ou ao lado) deste tipo de abordagem sócio-política praticada nos 3 programas mencionados. Sendo a missão da RTP delimitada pelos contornos do serviço público, os filtros utilizados pela respetiva direção de programas na programação diária são deveras do tipo passa-só-o-que-não-fira-a-opinião-pública-ou-pelo-menos-é-essa-a-intenção! Apesar de tudo isto esclareço já que a RTP é, por questões fundamentalmente sentimentais, o meu canal nº 1. Porquê? Porque era o único canal que existia quando eu comecei a ver televisão na minha vida, na gloriosa época das emissões a preto-e-branco. Porém, a SIC tornou-se um canal interessante onde eu vou espreitar amiúde e onde me deposito tambem amiudemente. Moral da história, a RTP talvez nunca apresentará programas como os três acima referidos e por isso tem-se ficado pelo modelo “Prós-e-Contras”, “É-ou-Não-É” ou “Primeira Pessoa”[2], bastante interessantes no contexto do prazer pelo debate ou pela tertúlia mas, convenhamos, nada provocantes. Por outro lado temos a TVI que também nunca apresentaria programas como os três acima referidos porque o formato da TVI não passará nunca daquele que carateriza programas como o Big Brother (Portugal), o Secret Story – Casa dos Segredos ou outros popularuchos programas que o povo tanto adora e nos quais irredutivelmente se viciou.

Irritações na Sombra do Eixo

Irritações

“Irritações” é coisa radical mesmo, sextas às 22h15. Todo o ser humano se irrita mas ir para a televisão falar daquilo que nos irrita só mesmo na SIC Radical! O painel atual é interessante (da esquerda para a direita):

  • José de Pina, que conheço de andanças ali para o lado dos paineis de comentadores de futebol mas cujo sportinguismo não conflitua com o meu portismo pois rival do nosso rival é nosso comparsa. É para mim a vedeta do painel…
  • Carla Hilário Quevedo, que só conheço deste programa mas que desperta em mim uma atração sexual muito animal, vá-se lá saber porquê mas eu nunca quero esmiuçar estes porquês. Porém, gosto do ar feminino e chique que imprime às suas irritações em contraponto com outros estilos do painel. Ao escrever este artigo acabei por descobrir que Carla Quevedo tem o seu próprio blogue: Bomba Inteligente. Fui espreitar, claro…
  • Pedro Boucherie Mendes (moderador), para mim ainda representa a FHM onde cheguei a ir espreitar alguns excelentes especimens femininos de origem portuguesa. Senhor de uma moderação pouco moderada, pois me parece que distribui mal as tarefas pelos comentadores, o seu toque aparentemente snob fá-lo no entanto encaixar bem no programa…
  • Luís Pedro Nunes, também participante no programa “Governo Sombra”, é daqueles comentadores que sigo com dificuldade. Limitação minha, claro, mas reconheço que nunca entendo muito bem onde ele quer chegar. Porém, agrada-me ouvi-lo tanto como me agradava ver os filmes do realizador sueco Ingmar Bergman de quem nunca percebi filme algum!
  • Joana Marques, que só conheço deste programa mas que, confesso, me está a cativar porque estou a adorar aquele papel de mãe confinada que já apresenta sintomas de querer atirar os filhos pela janela do sétimo-andar abaixo. Fofinha mas tem ar de quem tem prazer na produção e lançamento de soda caustica a qual lança com efetiva acutilância.

“Irritações” é um programa divertido. Deve ser visto como tal, principalmente porque isto de irmos confessar irritações para a televisão é inovador e até me faz ter vontade de participar numa coisa destas, fora eu alguém na vida. E não é porque eu me irrite muito mas porque tão somente acho super isto de poder falar sobre as nossas irritações para o povo, já que o povo português se irrita por tudo e por nada, com tudo e com todos embora não passe disso. Curiosamente, este programa tem uma distribuição sexista equilibrada: 2 meninos e 2 meninas! Fica bem, nos tempos que correm, principalmente porque sou fã da parangona “Female Lives Matter”. Quanto à sua projeção, a avaliar pelo facto de que ninguém o incluiu na Wikipedia, possivelmente o programa não deve ter grandes audiências. Hélas!

Governo Sombra

Governo Sombra, sábados às 00h05, continua virado para a notícia política tal como quando se iniciou no canal de rádio TSF. A começar pelo nome, percebe-se que só pretende chegar à crítica política através da utilização moderada do humor misturado com algum sarcasmo. Ou será do sarcasmo misturado com algum humor? O painel atual é de primeira apanha (da esquerda para a direita):

  • Pedro Mexia, atenção, muito respeitinho! É tão somente um consultor do senhor Presidente da República. Conservador, mostra pouco os dentes e mede a paquímetro tudo o que diz. É o lado sério do painel para compensar o “terrorismo” de Ricardo Araújo Pereira.
  • João Miguel Tavares, campeão do sarcasmo. Ou será do cinismo? Não interessa, complementa lindamente os dois outros intervenientes.
  • Ricardo Araújo Pereira, quem não conhece este Gato Fedorento? Está amadurecendo e com isso está ficando mais fino. Tem-se mantido no topo do panorama nacional radiofónico e televisivo e neste programa é sem dúvida o mestre na utilização do humor para mandar umas belas de umas bordoadas aos “boys & girls” da política nacional.
  • Carlos Vaz Marques (moderador), de quem só posso dizer uma coisa: modera com primor!

“Governo Sombra” é um programa divertido mas com substrato pois os seus participantes são gente com Curriculum vitæ respeitável nestas coisas da escrita, da crónica política e também no dom de pincelar coisas sérias com algum humor sem lhe retirar nenhuma credibilidade.

O Eixo Do Mal

Nome sonante este, quintas às 23h00. Será que “O Eixo Do Mal” tem raízes na expressão de autoria do ex-presidente americano, George W. Bush? De facto, entre os três programas vítimas desta minha análise, é aquele mais do tipo “vamos ao ataque”, embora inclua ingredientes da receita dos dois outros, assim tipo: uma de irritações aqui e uma de humor acolá. O painel atual contém também malta da pesada (da esquerda para a direita):

  • Pedro Marques Lopes, um veterano nestas andanças do comentário político, muito dado a picardias com os demais participantes, principalmente Daniel Oliveira.
  • Daniel Oliveira (jornalista), o “comunista” do painel, em toda a sua plenitude.
  • Aurélio Gomes (moderador), pouco conhecido mas é um moderador simpático. Não consegue evitar que Pedro Marques Lopes e Daniel Oliveira se sobreponham em tempo de antena.
  • Clara Ferreira Alves, único representante do sexo feminino mas nem por isso de menor acutilância. Clara F Alves está com aquele toque de mulher na menopausa (64 anos), sempre muito irritada com muita coisa e mais moralista que nunca, mas é uma mulher informada e com discurso muito fluente.
  • Luís Pedro Nunes, o “motoqueiro”, neste programa muito menos solicitado do que os restantes companheiros de maldades…

“O Eixo Do Mal” foca situações políticas portuguesas bem fresquinhas que provocam dissertações diversas resultantes da diversidade dos comentadores em jogo. Aparentemente estão todos bem informados e são todos dotados de um discurso bem fluente. Gosto quando assim é…

… fechando a porta!

O que se vê em todos estes programas é que todos os intervenientes são pessoas equilibradas. Não há ofensas, não há agressividade, não há batatada ao vivo como se vê em outros programas de TV por esse mundo fora. Ótimo, dá-se lugar à divagação aqui, devaneio acolá e muito raramente manifesto. Em televisão, o manifesto é perigoso porque está muita gente à cuca e muito atenta a eventuais acusações, insinuações ofensivas, ou não, e outras expressões que tais com eventual potencial para serem consideradas injuriosas e com isso gerar promoção pública de gente que adora aparecer na TV, rádio ou jornais. Não, os intervenientes destes 3 programas não vão por aí e raramente se excedem no que, acho, estão muito bem. Conseguem produzir semanalmente uns cerca de 60 minutos de análise sócio-política agradável durante os quais estou normalmente com um sorriso na face e que me fornecem matéria para reflexão, embora umas vezes com um acenar de cabeça vertical, outras com um acenar de cabeça horizontal. Apesar da longevidade de qualquer destes programas da SIC ser já invejável, aparentam não terem grande audiência. Aparentam, por outro lado, terem um público que sendo inferior em quantidade é no entanto fiel. Tudo porque este país é um país “pimba”, amante de telenovelas e viciado em cusquice, algaraviadas e lavagem de roupa suja, tanto mais se tanto mais intervierem umas gajas boas com’ó milho, descascadas quanto baste, e uns gajos estilo porteiro de discoteca em centro de cidade cosmopolita a exibirem os seus bicípedes, tricipedes e perfil quadrúpede…

Moral da história, nada como uma inofensiva irritação na sombra do eixo para desopilar o fígado…

  1. Organização Mundial da Saúde.
  2. Novo programa de Fátima Campos Ferreira, que estaria melhor acondicionado no RTP Memória…

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