Ingénuos Exercícios de Xenofobia

Assistimos impávidos e aparentemente serenos ao enxovalhar de organizações mundiais supostamente idóneas, respeitáveis e temidas, por parte de um cowboy oriundo das estepes geladas da sempre muito czarista Rússia, que nos está a fazer o favor de nos mostrar e demonstrar, a nós crentes, descrentes e céticos, para que serve ser dono e senhor de 6000 ogivas nucleares…

O criminoso Vladimir Putin, o tal cowboy nascido no lado errado do mundo, não está só e não estará só, apesar das tímidas sanções económicas e manobras de isolamento levadas a cabo pela União Europeia, países da NATO e outros países que não se geolocalizando no Ocidente são filosoficamente ocidentais. Ao seu lado tem e terá (vejam só que amigos) quase todos os países de África, vários países do Médio Oriente e a sempre perigosa China, esta senhora exportadora de pandemias que já esqueceu que foi em tempos um enorme país miseravelmente estercoso a quem o Ocidente deu a mão. Enfim, estão finalmente juntos os feios, porcos e maus e a partir de agora isto é que vão ser elas. Se alguem tinha dúvidas, sérias ou não, sobre a utilidade de um astronómico investimento em armamento nuclear se não é para ser usado, aqui está, serve para isto, para obrigar o mundo a assistir, sem que possa fazer algo para o contrariar, a atrocidades como a destruição da Ucrânia e seu povo, quase 600 mil quilómetros quadrados de território e 44 milhões de pessoas[1]. E nós, os “bons” da fita, teremos que viver com esta enorme e frustrante sensação de impotência que as tais 6000 ogivas nucleares[2] do bandido conseguem impôr…

Nas últimas décadas, nós os ocidentais temo-nos desdobrado em exercícios de pretensa modernidade, de tolerância, de inclusão, de equidade, enfim, de exercícios típicos de menino rico de bolso cheio e barriga bem nutrida. Temo-nos enchido de orgulho gay, de “black lives matter”, de igualdade de género, de veia artística e poética “no matter what”, de amor assolapado aos ecossistemas e de vários outros orgulhos que nos fazem sentir que nós sim, nós é que somos! No outro lado, o da Ásia, África e também da América Central e Sul, têm estado mais ocupados com aquilo que de facto está mais de acordo com o substrato do comportamento intrínseco dos humanos: poder, ambição, supremacia, ascendência, dominância, bandidagem,… Diremos nós que os civilizados somos nós e os outros ainda estarão numa fase, talvez terminal talvez não, de barbárie. Dizem eles que nós somos os snobs, com complexo de superioridade e por demais arrogantes. Bom, de facto têm razão, temos sido tudo isso. Tal como eles têm sido tudo aquilo. Acima de tudo parece que somos todos uns farsantes, seguidores incondicionais do faz de conta, do “mais vale parecer que ser”, do “a minha rua é melhor que a tua”. Até que um dia destes chegou um calhau humano, de seu nome Vladimir Putin, que alterou ligeiramente a narrativa[3] e disse “a minha rua tem mais calhaus que a tua”. E agora estamos a descobrir que no fundo, bem lá no fundo, o czar dos czares tem toda a razão, quem tem mais calhaus é rei. Ou seja, “ipso facto”, foi preciso vir um calhau lá bem de longe, das sempre geladas estepes russas, lembrar-nos de que tudo pode ser resolvido à força e velocidade do calhau e o resto são meros exercícios de retórica de meninos ricos de bolso cheio e barriga bem nutrida…

Tenho em mim a inabalável crença de que a China nunca deixará de ser a China (os amarelos), o Médio-Oriente nunca deixará de ser o Médio-Oriente (os amarelo-torrados), a África nunca deixará de ser a África (os pretos) e a América do Sul nunca deixará de ser a terra dos latino-americanos (os vermelhos)[4]. Racista? Aparentemente mas não me confesso como tal já que tive a oportunidade de com todos conviver sem que tenha praticado qualquer tipo de “apartheid”. As raças existem, é um facto, e o racismo também. Na sequência e parafraseando os nossos queridos vizinhos, “Yo no creo en el racismo pero que lo hay, lo hay”, sinto-me compelido a chegar à singela conclusão de que as raças sempre existirão e, consequentemente, o racismo também. Só que aqui pelo ocidente não é politicamente correto dizer estas coisas, mesmo que as pensemos e, pior, as pratiquemos. Por isso usa-se por estes lados a abençoada cal[5] que sempre faz parecer tudo muito cândido e puro já que parece que a sujidade não é um problema desde que não se veja. Esta é a nossa verdadeira essência e contra essências não há argumentos…

A União Europeia uniu-se quando os calhaus começaram a voar e a cair na Ucrânia. Surpreendente! Unbelievable! A União nunca foi unida e de repente uniu-se. O impossível passou a ser possível! Da noite para o dia… A NATO, quase extinta, revigorou-se. O mundo do bem indignou-se e o azul-e-amarelo floresceu por aí fora. Pois foi! O problema é que a União Europeia nunca foi de facto unida, é um território onde acontece a inexplicável comunhão entre o bem e o mal, os bons e os maus, os ricos e os pobres, os que doam e os que recebem, o norte e o sul, o este e o oeste, os nucleares e os periféricos, etc, etc, etc. Ué?!? Estou por acaso a afirmar que a União Europeia é um antro de xenofobia? Estou e não é por acaso. Se cá dentro somos xenófobos imaginem-nos em relação ao exterior! Turcos? Marroquinos? Angolanos? Sauditas? Indonésios? Indianos? Chineses? Exato, esses são os amigos de Putin e não é por coincidência. Claro que poderia incluir aqui toda uma série de países que têm mil e uma razões para se sentirem humilhados pelo Ocidente, com ou sem razão, mas creio não ser necessário ser tão exaustivo…

Com a sombra da morte e da destruição a envolver-nos como está a envolver, o mundo não voltará a ser o mesmo nos próximos anos, décadas talvez. Só que a memória humana é curta e por demais seletiva. Se a guerra na Ucrânia continuar por mais tempo, devido à extraordinária resistência do povo ucraniano e/ou à incompetência militar russa, o esquecimento vai começar a fazer das suas. A humanidade já esqueceu tanta barbaridade, esta será apenas mais uma. Quem se lembra do Infanticídio feminino na China? Da barbárie chinesa em Tiananmen (1989)? E a invasão de Putin na Chechénia (1999)? E na Síria (2015)? E o avião desviado em espaço aéreo UE pela Bielorrússia, estado lacaio da Rússia, para prender um opositor ao regime (2021)? Quase ninguém se lembra, certo? Pois bem, estamos muito perto de juntar o extermínio da Ucrânia e do seu povo à lista. Não sei como a História explicarará o extermínio de um povo em pleno século XXI mas será algo parecido com a forma como explica os genocídios em séculos passados dos Incas, Maias, Astecas e dos indígenas na América do Norte. A História acaba sempre por explicar tudo desde que possamos continuar a caminhar para um mundo cada vez mais oligárquico, protegido por autocracias que, pasme-se, conseguem manter na miséria material e espiritual uns quantos milhões de andantes humanos cuja única ambição é tornarem-se, eles também, oligarcas ou autocratas. Tudo isto, claro, enquanto decorado aqui e acolá com as já exóticas manifestações de rua contra os racismos, as alterações climáticas, os assédios sexuais, as desigualdades de género e outras levadas a cabo pelas forças e potências humanitárias que, afinal sabe-se agora, um qualquer Putinzinho minorca faz congelar com um dos seus porcos dedinhos sobre o botão do apocalipse final…

Texto duro este, n’est ce pas? Oui mas é ingénuo, não genocidário e, cá para nós que ninguém nos lê, um singelo exercício cognitivo…

  1. Só como termo de comparação: Portugal tem um território de quase 92 mil kilómetros quadrados e 11 milhões de pessoas.
  2. Estes valores são meras estimativas porque, mentirosos como todos os humanos em geral são, não se sabe ao certo qual a capacidade nuclear instalada nos vários países do mundo. O que se sabe é que muitos dos países que são potências nucleares têm reduzido o seu arsenal nuclear mas procedido à modernização do restante.
  3. Agora usa-se muito este termo, um legado da celebridade José Sócrates que, perto de Putin e seus fantoches, afinal é um anjinho.
  4. Incluamos aqui a América Central e, já que supostamente os vermelhos foram dizimados na América do Norte, fiquemos por aí.
  5. No Alentejo caiavam-se de branco as casas para assim, branquinhas, não se perceber que estavamos na região mais pobre do país. Agora é só estilo.

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