Neste virar de ano, dum 2020, que, insisto, não deve ser esquecido, para um 2021 que alguém com muita graça apresenta em inglês como sendo “tuenti tuenti Wuhan”[1], recordo, pleno de saudosismo, uma frase que em tempos ouvi e que de imediato declarei a frase do dia. Desse e de muitos outros que se seguiram : “Porque já constatei que quem gosta de Pink Floyd e de Dire Straits é porque é velho.“
Bom, engoli a frase e a ideia a ela associada com toda a sapiência e descontração que a já longa vida me permite ter, olhei a vintinha [2] que eu até “amo de milhões”[3] e agradeci o elogio. Não porque a palavra “velho” na boca de um jovem ou garoto português seja um elogio, pelo contrário, mas porque sou claramente um velhadas para quem “sarcasmo não é uma língua estrangeira”. Lembrei-me então de pensar que realmente eu estava velho e que isso realmente se pode ver não só por ser fã dos Dire Straits e Pink Floyd mas também dos Genesis, dos Marillion, Leonard Cohen, Bob Dylan e outras antiguidades oriundas dos inesquecíveis anos 70 e 80. Enfim, a conversa não ficou por aí e aproveitámos para falar de certos temas lamechas e piegas que, segundo a vintinha desta minha história, algumas bandas oriundas dessa época dinossaurica criaram e aos quais nós, os velhos de hoje então adolescentes, chamavamos de “slows”, estilo que tanto apreciavamos pois era a possibilidade de, nos engates das festas de garagem, sentirmos com autorizada proximidade os acessórios das garinas que tinhamos debaixo de olho. Tudo isto foi tema de uma morna conversa que levou o tempo que leva a tomar um Nespresso, aquele café que sempre me faz lembrar o também velho mas charmoso George Clooney. A propósito, ou em inglês “bai da Uei”, os meus Nespressos costumam ser mais longos que os famosos discursos de Fidel Castro…
Estou em crer que o verbo amar vai perdendo intensidade com a idade. Nunca fui um grande utilizador do dito cujo verbo, aos deuses me confesso, mas nos tempos que correm, tempos em que o meu espelho logo pela manhã me cumprimenta com um sorridente “bom dia, velhote”, ainda menos o utilizo. Ao longo dos anos vamos perdendo a tusa e com ela vai também a paciência para uma manada de coisas que já vimos repetidamente durante décadas. Também com ela se vai a vontade de sorrir ou de rir que abunda nas primeiras fases da vida. “Boring…” é agora o meu pensamento mais frequente e francamente vai-se-me a pachorra de cada vez que tenho de assistir a mais uma paspalhice oriunda de transeúntes da vida ainda com poucos quilómetros no contador. Mas diz a sabedoria popular que “cessa a prudência quando falta a paciência” e por isso tenho ido à farmácia comprar umas recargas para assim poder mostrar-me ao mundo como um velhote fixe, paciente e sapiente. Vou então fazendo de conta que gosto, que amo, que sorrio e rio, que me surpreendo com aquelas coisas brutais[4] que para mim já não passam de meras banalidades ou meras entediantes reprises de tempos idos que já lá vão…
Assumindo a idade que tenho e que às vezes esqueço porque idade é apenas isso, lembrei-me então de procurar no meu baú musical algo realmente velho e lamechas mas que não fosse conhecido por vintinhas ou trintinhas (trintonas). Et voilá… Lee Clayton, um dinossaurico “folkeiro” norte-americano que nem os dinossauros da minha geração dinossaurica conhecem. Claro que nós nunca conhecemos tudo da época em que vivemos ou se calhar até conhecemos mas não apreciamos. É o caso dos The Beatles, uma banda da qual fixei uns temas mas da qual não possuo qualquer disco, cassete[5] ou mp3. Enfim, convenhamos que a melhor música é aquela que nos entra no ouvido e fica, ou seja, não sai a cem pelo outro. Foi o caso de “I Love You” do velho Lee! Não me lembro em que fase a ouvi e me ficou no ouvido mas não deve ter sido pela respetiva letra, que se me depara como algo deprimente. Fosse como fosse, esta balada permaneceu como uma memória da minha puberdade e até me dei ao trabalho de traduzir para a língua pátria essa letrinha “lamechas” e singela de outros tempos. Com esta, comprova-se assim que eu, para além de velho, barrigudo e solteiro, sério candidato a morrer esquecido num canto qualquer deste país que não é para velhos, afinal tambem tenho algo de lamechas…
Quem diria…
Tema Musical: “I Love You” de Lee Clayton in Naked Child, © 1979
Vídeo-clip: criado (contém cenas de nudez) e legendado em português por zebarbosaf[6].
Imagem Frontal: autor desconhecido.
- Wuhan, cidade chinesa onde apareceu pela primeira vez o Coronavírus.
- Termo que uso desde que vivi em Angola, onde ouvi vezes sem conta a expressão “catorzinha”, menina já com idade para casar e procriar e por isso muito procurada por homens de idade avançada para constituir (outra) família. Tomei então a liberdade de dar origem ao termo “vintinha” que designaria então a menina na faixa etária dos vintes. Curiosamente o termo popularizou-se no meu círculo de convivência…
- Claramente uma frase de origem brasileira…
- Aprendi com os putos que “brutal” agora significa fabuloso, maravilhoso, fantástico. Haja paciência…
- Sim, também um sinal de velhice. A famosa K7, fita magnética para gravação de audio ou video, pereceu faz já vários anos mas foi um colosso de popularidade…
- O ficheiro de legendas foi criado com a aplicação gratuita Subtitles Edit que pode obter aqui.