Entre a aflição de milhões por essa Europa fora ocorre-me esta terrível ideia de que 27 países estão juntos por mera conveniência material…
E o materialismo ocupa cada vez mais espaço no nosso cérebro, essa arma terrível de defesa e de ataque. E por isso mesmo condiciona cada vez mais os nossos comportamentos. E nos isola cada vez mais. E nos torna individualistas, na busca do nosso próprio bem, do nosso próprio prazer. Mas esta época de isolamento forçado traz o caos. O caos porque ninguém quer estar isolado por força de forças alheias. Sendo o isolamento cada vez mais a nossa forma de estar bem, a nossa forma de sentirmos prazer, queremos que isso seja a nossa própria opção. E quando assim não é, não vale. Não é a mesma coisa. Alguém nos estar a impor. Alguém se nos está a sobrepor…
Ver e sentir isto, nos dias que correm, este materialismo exarcebado, é para mim cada vez mais o reforço daquilo que sou. Quando há uns anos eu me declarava materialista, era logo irradiacado. Irradicado da mente das pessoas, da sua consideração, enfim, irradicado dos grupos sociais. E agora, umas poucas décadas depois, as pessoas são militantemente materialistas. E perdem sentimento. E perdem emoção. E passam a militantemente serem insensíveis à dor dos outros. A não ser que reduzir a dor dos outros nos traga compensações materiais. Nos encha o bolso. Nos dê prazer…
Quando a Itália começou a penar e a vergar-se ao poder desvastador de uma microscópica bactéria com nome de cerveja[1], onde estava a União Europeia[2]? Não estava! Nem tinha que estar. Porquê? Porque a União Europeia não nasceu para ser solidária. A União Europeia, que nasceu como Comunidade Económica Europeia (CEE), não é sensível à dor dos seus membros. A União Europeia existe para gerir políticas de comercialização. Para gerir o estado capitalista em que vivemos e queremos continuar a viver. A União Europeia não é nenhuma Santa Casa da Misericórdia. É uma ferramenta de gestão de políticas económicas em favor dos seus membros.
Num estado capitalista, os mercados, uns fantasmas que vagueiam por aí, dominam a gestão dos lucros. E os lucros, só não sabe quem realmente é ingénuo, conseguem-se à custa do esforço dos outros. Os lucros dominam e predominam. Os lucros não vêem caras nem corações. Os lucros são mais valias. E quem é pobre mais valia não ter nascido se se sente incomodado por ser sugado por quem almeja somente o lucro. Assim, quem é pobre tem que estar preparado para ser vítima num estado capitalista. E estados capitalistas proliferam que nem ratos…
Quando a Itália e a Espanha continuaram a penar e a vergar-se ao poder desvastador de uma microscópica bactéria, onde estava a União Europeia? Não estava! A União Europeia não nasceu para combater calamidades sanitárias. Nasceu apenas para gerir calamidades económicas e financeiras. É bom não esquecer que a União Europeia nasceu como Comunidade Económica Europeia (CEE) e assim perdurou apesar da mudança do nome uns anos após a sua formação. Quando a Itália, a Espanha e Portugal ainda estão a penar e a vergar-se ao poder desvastador de uma microscópica bactéria, já sabem, já sabemos, que é cada um por si e fé em Deus…
Morrer aos milhares ou aos milhões não é motivo para a intervenção da UE porque a UE não tem uma política de saúde. Por opção própria. Morrer vítima do COVID-19 é um problema de saúde. É uma crise sanitária. É problema de cada estado que sofre desse mal, com esse problema. Só depois de resolvida a questão sanitária, o que me parece que só acontecerá quando existir uma vacina e uma cura, poderemos contar com a UE. Nessa altura, uns quantos estados estarão falidos ou perto disso e tal resultará num problema económico e financeiro. Aí sim, a UE já nasceu para isso. Para lidar com estados falidos que precisam de ajuda…
O que sempre tem acontecido, e só não vê quem realmente é ingénuo, é que é precisamente na lama das falências de empresas e estados que se mexem muito bem os monstros do capitalismo, os mercados. É nessa fase que comprar a preço baixo para vender a preço alto resulta muito bem. Porque estados falidos vendem-se que nem puta velha que já não atrai clientes, ao menor preço possível e até com extras se necessário. E aí sim, a União Europeia já nasceu para isso. E assim está bem. Assim é que é. São as regras do mercado, ou dos mercados, uns fantasmas que vagueiam por aí.
As desigualdades culturais entre os 27 são coisa de bradar aos céus. Nada de novo! Sempre foi assim. Sempre será. E a nós Portugueses, isso não interessa mesmo nada. Desde que venham as ajudas… Mas as ajudas que vêm da UE, só não vê quem é mesmo ingénuo, vêm pejadinhas de juros. Sejam eles em moeda corrente ou em subserviência. E é aqui que os comilões Alemanha, Holanda, Inglaterra e às vezes a França entram em força. Tão simples como isto: eu dou de comer ao pobre e o pobre vem limpar a minha cagadeira ao preço da uva mijona… Eu, rico, não sujo as mãos e ele, pobre, leva para casa uns tostões para comprar uns papos-secos para ele e para a família.
Wim Mertens é um génio difícil de entender. Este músico varia entre temas absolutamente fabulosos e outros que ao fim de alguns segundos já nos fazem apetecer dar um tiro entre os olhos. Bem, tal como com a UE, aqui o que interessa é tirar o melhor deste Belga, que se move numa dimensão algures para lá da quinta. O que interessa mesmo é o prazer imediato. Como em tudo na vida. E quem vier a seguir que apague as luzes. E feche a porta. Para não entrar o vírus. Afinal, os Belgas são um pouco como os Franceses, estão ali no meiinho e umas vezes são Europa rica, outras, Europa pobre. Ou se preferirem, Europa do Norte e Europa do Sul, respetivamente. Mas desde que fiquemos encantados e deslumbrados com as suas dádivas, que se dane a sua excentricidade que nós, malta do sul ou da zona pobre, dificilmente algum dia entenderemos…
Afinal, qualquer esforço pelo prazer tem uma grande vantagem: o prazer ele próprio!