Disfunção Social

… ou “Sou um pobre cowboy solitário e estou muito longe do lar…”. A ideia aqui não é falar sobre Lucky Luke, o cowboy mais rápido que a sua própria sombra, mas sim falar apenas sobre a desmistificação da solidão e a exaltação da sua parte saudável. Convenhamos que não tenho intenção de oferecer ao mundo uma receita para batalhar contra a solidão, na sua parte não saudável. Peço desculpa por desapontar mas estou em crer que a solidão não deve ser combatida, deve ser gerida. De qualquer forma, este artigo foi um tanto inspirado no tema de Suzanne Vega que pode ser ouvido aqui abaixo. “Inspirar-se por” não significa necessariamente “estar de acordo com” mas devo confessar que gostei da ideia de que a solidão é uma menina…

Antes de mais vamos pensar positivo e, de facto, aceitar o dizer popular “Mais vale só que mal acompanhado.” como um dos possíveis pontos de vista. Em segundo lugar, outra situação a ser definitivamente evitada é a solidão que se sente mesmo quando se está no meio de um monte de gente. Em terceiro lugar, complementando o anterior e dando espaço à redundância, estar cercado por um monte de gente não resolve o problema da solidão, se a solidão for um problema.

Nunca tomei as pessoas, em geral, como algo que eu apreciaria instantaneamente e confiaria livremente. As pessoas sempre me aparecem como algo esquisito, meio extraterrestres e causando-me uma certa sensação de desconforto. A inteligência é o principal problema da humanidade, dado o estado altamente insano em que muitos homens e mulheres sempre vivem. Esse estado de insanidade constante e não autopercebida dos seres humanos sempre foi algo com o qual lidei mal. A mesma inteligência, que em alguns animais da espécie humana nunca consegui descobrir, é responsável por uma gestão pouco adequada da solidão ou, se preferirem, da integração em grupos sociais. De facto, o homem ou a mulher comum muitas vezes fogem da solidão como um veado foge do leão. Qualquer veado está preparado pela natureza para definir um leão como um perigo para ele. Isso é instinto. Qualquer homem ou mulher é preparado pelos pares para reagir à solidão como algo muito maligno. Isso é modelagem mental[1]. Se por um lado a frase “nenhum homem é uma ilha[2] é um lugar comum que tende a fazer as pessoas aceitarem a vida social, por outro, a frase “todo homem é uma ilha” pode até ser uma verdade profunda para alguém capaz de sentir e compreender o seu amplo alcance. Seja por instinto, modelagem mental ou mente consciente, até onde cada um pode suportar a solidão?

Por vezes questionamo-nos sobre quem está do outro lado da nossa vida. Quem está com saudades de nós? De quem estamos a sentir falta? Isso é relevante, certamente que é. Isso é o que move muitas pessoas no mundo e o que pode ser considerado o germe da problemática da solidão. O ser humano tem, via de regra, uma forte necessidade de estar ligado a alguém, sentimental ou afetivamente. Este é um sinal de fragilidade interior, tanto quanto é um sinal do nosso próprio substrato (ou devo dizer “alma”?) que está muito para além da nossa massa de carne e ossos. Juntos, todos nós sentimos esse desejo irresistível de estarmos ligados a alguém, um ser vivo, racional ou não. Não é à toa que, de forma inteligente, algumas empresas de telecomunicações usam com muita frequência o slogan “Get Connected!”[3] através do que elas pretendem levar as pessoas a comprar telemóveis, iPads ou tablets e assim por diante. Isto faz-me recordar que o meu primeiro telemóvel foi um N73 da Nokia, a marca finlandesa que adotou o slogan “Connecting People”[4], e comprei-o por ordem expressa daquela que era então a minha esposa! Mais do que se manter conetada a mim, ela queria-me sob controle…

Aparentemente, não há diferença entre “isolamento” e “solidão”, como se pode ver nos seguintes trechos, mas o “isolamento” soa-me melhor e elegi-o para representar o lado positivo de não estar com alguém. Por outro lado, a solidão será tida como o lado negro de não estar com alguém, leia-se, estar sozinho.

Isolamento (“Solitude”)

É um estado circunstancial de uma pessoa estar em reclusão ou isolamento, ou seja, falta de contato com outras pessoas. Pode resultar de escolha deliberada, doença contagiosa, características desfigurantes ou hábitos pessoais repulsivos, ou circunstâncias de emprego ou situação.

O isolamento de curto prazo costuma ser valorizado como um momento em que se pode trabalhar, pensar ou descansar sem ser perturbado. Pode ser desejado para obter privacidade.

O isolamento prolongado é muitas vezes visto como indesejável, causando solidão ou reclusão, resultante da incapacidade de estabelecer relacionamentos. No entanto, para algumas pessoas, a solidão não é deprimente. Ainda outros (por exemplo os monges) consideram o isolamento de longo prazo como um meio de iluminação espiritual.

Solidão (“Loneliness”)

A solidão é um estado emocional no qual uma pessoa experimenta um poderoso sentimento de vazio e isolamento. A solidão é mais do que apenas o sentimento de querer companhia ou querer fazer algo com outra pessoa. A solidão é um sentimento de estar isolado, desconetado e alienado de outras pessoas. A pessoa solitária pode achar difícil ou mesmo impossível ter qualquer forma de contato humano significativo.

As pessoas solitárias muitas vezes experimentam uma sensação subjetiva de vazio interior ou oco, com sentimentos de separação ou isolamento do mundo.


Baseado em artigo da Wikipedia

No entanto, existem algumas linhas subtis que não devem ser desvalorizadas de forma alguma. Podemos, por exemplo, conetarmo-nos e ainda assim sentirmo-nos sozinhos. Podemos não estar conetados nunca! Estas situações podem não nos provocar infelicidade. Podemo-nos integrar e não necessariamente estarmos “conetados”. Podemos pular aqui e ali de acordo com o nosso estado de espírito. Não importa qual seja o caso de cada um, o facto é que nenhum mal virá daí se tivermos tudo (ou quase tudo) sob controle. O lado sombrio disto tudo vem do facto de que, não importa qual seja o caso, a dor acontece se não formos capazes de manter a solidão sob controle. Além disso, a solidão é agradável, revigorante, refrescante e, acima de tudo, profilática da saturação. A solidão traz contemplação, relaxamento e um ótimo momento para desenvolver um relacionamento com nós mesmos, o que recomendo fortemente.

Dito isto, a solidão é uma boa menina. Eu a deixo ficar ao meu lado porque conheço o “eu” que vive dentro de mim e sinto que o nosso relacionamento está sob controle. Eu sei que, como em qualquer outro relacionamento, nem todos os momentos são bons e de vez em quando tenho vontade de não suportá-la mais. No entanto, eu sempre volto para ela depois de alguma perambulação livre entre os humanóides que (ainda) são para mim uns entes perturbadores. A gestão do tempo é fundamental neste caso (como em qualquer outro) e procuro sempre não me demorar muito nas misérias humanas. Há tantas maneiras de escapar, há uma enorme necessidade de fazê-lo.

Hoje celebro o meu sucesso na gestão das minhas obrigatórias fases de isolamento ao longo de décadas, nesta viagem sem regresso que é a vida. Estou em crer que cada Homem deveria desenvolver para si mesmo, como eu o tenho feito, mecanismos “à medida” para suportar as complexidades da vida e a nossa própria complexidade de modo que o nosso equilíbrio mental nunca seja comprometido. Só assim alcançamos alguma estabilidade emocional que nos permitirá alcançar alguma felicidade durante a nossa jornada pela vida. Definições claras sobre quase tudo e crenças vigorosas são também necessárias. Uns acreditam em entidades divinas outros, como eu, acreditam apenas em si mesmos e no apoio de família e amigos. O isolamento é uma boa terapia no combate à insanidade pois ajuda a promover o equilíbrio mental, tão fundamental para garantir a sanidade. A solidão também pode ser uma boa terapia mas exige uma gestão mais rigorosa e disciplinada do que o simples isolamento. Para tudo isto é também necessário sermos dotados de qualidades inatas muito orientadas para a manutenção do estado de equilíbrio. Caso contrário, é o colapso…

Que os deuses se compadeçam e não nos deixem cair no lado negro da solidão…

Tema Musical: “Solitude Standing” de Suzanne Vega in Solitude Standing © 1987
Vídeo-clip: ao vivo em Montreux (Suíça), 2004, com legendas em português por ZeBarbosaF
Imagem Frontal: uma cortesia de Laura Lee.

  1. Algumas pessoas chamam isso de “mind set”.
  2. John Donne, in Mediação VII.
  3. Mantém-te ligado!
  4. Conetando as pessoas.

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