Encontrar um pequeno negócio em Portugal cujo nome apela ao reinado do seu proprietário é tão comum como encontrar no nosso país o Café Central, seja numa aldeia, vila, cidade, terra, terriola, lugar ou lugarejo. Somos o que somos e o que somos resulta bué das influências que recebemos, até porque esta capacidade de nos influenciarmos uns aos outros é o que vai constituir e manter a nossa cultura. Apesar de já não sermos uma monarquia há mais de cem anos, o zé povinho gosta de se apelidar de rei. E assim, sobejamente me aprazeria que o 6 de Janeiro, para além da comemoração da chegada dos Reis Magos ao curral onde nasceu o cidadão Jesus Cristo, fosse proclamado também o “Dia Dos Reis da Lusitana Terra”…
Os portugueses são afincados trabalhadores e sempre muito orgulhosos das suas conquistas individuais, das suas façanhas e odisseias. O tecido empresarial português é esmagadoramente constituído por gente com muito jeito de mãos, com um toque especial para realizar algo que possa ser apreciado por outros e que, por isso, sempre objetiva o poder arrancar com o seu pequeno negócio no sentido de garantir a sua subsistência. Normalmente este empreendedorismo latente dá origem a negócios familiares que servem bastante bem para garantir a subsistência da família. Muitos vão para lá da sua subsistência e até geram postos de trabalho para terceiros. Alguns, muito poucos, transformam-se em grandes empresas. Mas o que aqui está em causa é mesmo o pequeno negócio do tuga. O tuga gosta de criar o seu boteco onde ele possa reinar por ser realmente bom naquilo que faz. Ora, homem que reina é rei[1]! Não interessa o facto de sermos uma república há mais de cem anos[2], o que interessa é sermos reis. E no fundo, no fundo, bem lá no fundo, sentimos um prazer especial em criar e controlar o nosso reino. Eu diria dominar! Enfim, sermos reis exatamente como os reis das monarquias são ou foram.
Quando vemos ou ouvimos falar de algum negócio que começa por “O Rei de…”, logo assumimos que ali se compra algo de bom. É um preconceito bom, positivo, porque efetivamente corresponde, na maioria dos casos, à realidade. Lembro-me que há muitos anos eu era especialmente impelido para as casas de gastronomia cujos nomes começavam dessa forma. O Rei dos Frangos, algures no Porto, o Rei da Picanha, algures em Matosinhos ou então algum negócio que não sendo oficialmente designado “O Rei de…”, era comentado como “olha, vai lá, aquele fulano é o rei de…”. Todos conhecemos o poder do Marketing Passa-a-Palavra ou Marketing de Boca-a-Boca principalmente se é oriundo de familiares ou amigos. A coisa resulta mesmo e hoje continuo a privilegiar informações obtidas dessa forma. Infelizmente, alguns dos reis de hoje, no mundo dos negócios, têm mais olhos que barriga e deixam de ser tão rigorosos na qualidade dos seus produtos pelo que é recomendável, em certos casos, recorrer a segunda opinião. Afinal, português tem no seu sangue aquele lado bem vigarista, qualidade transmitida a brasileiros e africanos lusófonos, tanto como tem o seu afinco ao trabalho manual, artesanal, do qual frequentemente depende para sobreviver…
A seguinte lista é um apanhado de todos os reis portugueses que consegui apanhar. Se o leitor quiser participar[3], esta lista irá aumentar. Bom, irá aumentar de qualquer maneira pois continuarei a procurar reis neste país republicano onde, afinal, o povo continua a gostar de reis, raínhas e príncipes. Acredito piamente que neste país tão diminuto haja, para além dos que constam nesta lista, muito mais boa gente a reinar na arte de bem fazer, seja comida, roupa ou qualquer objeto de utilidade. Pena é que o artesanato português esteja a desvanecer-se, apesar do esforço louvável de alguma juventude que está esforçando-se para recuperar esse lado tão interessante da nossa cultura lusitana. Entretanto, God Save the Kings, que em português quer dizer “bora lá, reis desta terra, mantenhamos a coisa firme e hirta como uma barra de ferro”, e que possamos continuar a usufruir da arte Lusa de bem dar à mão…
Os Reis Da Lusitana Terra
Nome | Localidade |
Rei Da Batata A Murro | Terras De Bouro (Gerês) |
Rei Da Fruta | Porto, Lisboa, Monchique |
Rei Da Gula | V N Gaia |
Rei Da Pescada | Lisboa |
Rei Da Picanha | Senhora Da Hora, Maia, Figueira Da Foz |
Rei Da Pizza A Metro | Espinho |
Rei Da Sardinha Assada | Matosinhos |
Rei Da Tasca | Gondomar |
Rei Das Bifanas | Porto, Braga, Faro, Ponte De Sor, Torres Vedras |
Rei Das Capas | Paços De Ferreira, Matosinhos |
Rei Das Cavacas | Caldas Da Rainha |
Rei Das Chaves | Alverca |
Rei Das Enguias | Oliveira De Azemeis |
Rei Das Espadas | Elvas |
Rei Das Fardas | Porto |
Rei Das Ferramentas | Leça Do Balio |
Rei Das Francesinhas | Porto, Vizela, Valongo, Póvoa De Varzim |
Rei Das Meias | Valongo |
Rei Das Migas | Aveiro |
Rei Das Miudezas | Penafiel |
Rei Das Peles | V N Famalicão |
Rei Das Películas | Lourosa |
Rei Das Praias | Faro |
Rei Das Samarras | Porto |
Rei Das Tintas | Cascais |
Rei Do Bacalhau | Lisboa |
Rei Do Choco Frito | Setúbal |
Rei Do Churrasco | Quarteira |
Rei Do Extintor | Vendas Novas |
Rei Do Peixe Assado | Quarteira |
Rei Do Pneu | Porto |
Rei Dos Cachorros | V N Famalicão |
Rei Dos Caracóis | Algés |
Rei Dos Colchões | Matosinhos |
Rei Dos Croissants | Valadares |
Rei Dos Frangos | Albufeira |
Rei Dos Galos | Amarante |
Rei Dos Grelhados | Loulé |
Rei Dos Hamburgueres | Porto, V N Gaia |
Rei Dos Lanches | Porto |
Rei Dos Leitões | Mealhada |
Rei Dos Mares | Albufeira, Lisboa |
Rei Dos Pneus | Viana Do Castelo |
Rei Dos Pregos | São Miguel (Açores) |
Rei Dos Queijos | São Miguel (Açores), Porto |
Rei Dos Tapetes | Porto |
- O título deste artigo é parte do provérbio vindo da antiguidade, Desiderius Erasmus 1466–1536, que diz que “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”. Em inglês seria “In the land of the blind, the one-eyed man is king”…
- Ver Implantação da República Portuguesa.
- Basta comentar este artigo escrevendo o nome e a localidade do negócio que é rei…