Casamento é Dose -p4

Exato, é o meu quarto artigo sobre esta temática. Comecei a escrever sobre ela em 2007 e em inglês[1]. E agora, num estado que é o que não era então, o meu principal problema foi traduzir a expressão inglesa Marriage Sucks para português. Clara evidência da existência de “nuances” linguísticas que complicam amiúde o trabalho de tradução de quem tem que traduzir…[2]

O casamento é algo que tanto apraz como fere. E fere porque o casamento não é bem aquele conto de fadas que muitos se esforçam por o fazer parecer. As expetativas de hoje em relação ao casamento são muito similares ao que eram outrora. Num outrora muito lá atrás. No casamento as pessoas procuram só coisas boas, lindas, prazeirosas, que as fazem sorrir e ansiar. Ela diz “faz-me sorrir”, ele por sua vez diz “dá-me carinho”. O casamento é sempre projetado quando estamos num estado de alucinação provocado por esse sentimento que muitos cantam mas que poucos entendem, o amor. Ou então por essa emoção receada por muitos, mulheres mais que tudo, a paixão. Isso, o estado de paixão orienta-nos para caminhos que percorremos sob o efeito da emoção. Estamos a quente. Como que embriagados. Drogados. O mundo adquire cores diferentes. Sentimos pelo corpo coisas que nos transportam para um estado de êxtase. Precisamente o estado menos favorável à tomada de decisões, que devem preferencialmente ser suportadas pelo máximo de racionalidade.

Ouço sobre o casamento as mais fantasiosas afirmações, muito poucas vezes as mais sensatas. Mas, quem quer ser sensato quando estamos banhados em amor? E quando mergulhados em paixão, que razão lhe resiste? Colocando os pés na terra, em Portugal o número de divórcios tem aumentado significativamente:

ANO%
1960 1.1
198010.1
200030.0
201068.9
201961.4
TAB1 – Número de divórcios em Portugal.

Impressionante? Não. A sociedade avançou ao longo das últimas décadas para a redefinição de valores sociais, morais e religiosos. A isso chamam modernização. Repare-se que em 1960, no tempo da outra senhora, não havia espaço para o divórcio. Ninguém o quereria enfrentar nem em pensamentos. Demasiada areia para a camioneta de homens e mulheres, mais das mulheres nesse tempo. A partir de 1974, ano da libertação da mente dos Portugueses através da sua querida Revolução dos Cravos, o número de divórcios era já quase 10 vezes superior. Hoje, era da afeição aos telemóveis e das práticas da liberdade sem respeito, é 56 vezes superior. Ou seja, hoje temos mais de 60 casamentos em cada 100 a falhar. É dose! E nestes números não estão incluídos os dramas que correspondem a casais que se mantêm juntos em clara e inequívoca separação confinada por se sentirem incapazes de enfrentar o processo de divórcio.

Solução? Nada à vista! O que é visível é que cada vez mais homens e mulheres evitam o casamento. Optam pela vida por si e para si próprios. Ou então limitam-se a depenicar aqui e ali sem assumir algo comprometedor. Sintomas de egoísmo exacerbado? Até podem ser sintomas de insegurança pessoal mas talvez, acima de tudo, eu diria que são sintomas de tendente diminuição da vontade de partilhar. E como partilhar implica por vezes ceder, tal não é compatível num mundo de seres cada vez mais senhores do seu nariz ou mais centrados no seu eu. Caminhamos então a passos largos para a Sologamia

ANO
19607.8
19807.4
20006.2
20103.8
20143.0
TAB2 – Número de casamentos em Portugal.
(valores de permilagem – por mil habitantes)

O que também é visível é um número cada vez maior de casais que optam por não terem filhos. Assim as coisas ficam mais fáceis. Menos pesadas, menor pressão, menor probabilidade de conflitos conjugais. A ideia (imbecil) que se tinha que filhos poderiam salvar um casamento titubeante é hoje um pensamento de museu, felizmente. Por este andar, talvez um dia vejamos a Igreja Católica assumir a possibilidade de que um casamento não é para uma vida e a aligeirar todas as suas convicções (em geral antiquadas) sobre a vida conjugal. Mas… Solução, realmente solução? O que posso sugerir é que se um casamento atinge o estado de saturação, o que leva à exaustão de tudo o que poderia mantê-lo consolidado, não deve ser salvo. Apenas finalizado com dignidade. “Obrigado pela sugestão mas… quanto à solução?” quererá alguém saber. Bom, evitando a mãe de todas as soluções, que diz que se não queres problemas então não os cries ou foge deles… Bem… Só posso mesmo dizer…

Que os deuses se reunam em concílio e deliberem…

Tema musical: “The End” por Pearl Jam in Backspacer © 2009
Vídeo-clip: Eddie Vedder ao vivo em Seatle (USA), com legendas em Português por ZéBarbosaF.
Imagem frontal: de autor desconhecido.

  1. A versão em inglês deste blog já não está publicada pelo que as partes 1 a 3 não estão acessíveis.
  2. Na língua inglesa a expressão “it sucks” é um palavrão mas preferi aligeirar a coisa na tradução para português. Em português, quando se diz que algo “é dose” significa que é algo negativamente intenso.

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