Mais uma vez tive de me sentar numa cadeira de dentista. E mais uma vez estive bem perto de colapsar. Isso, tenho uma fobia descontrolada às cadeiras de dentista, desde que me conheço. E já me conheço há muitos anos. Décadas, eu diria…
Nao quero discutir o assunto. Lido mal com médicos em geral. Todos. Todas as especialidades. Sejam homens, sejam mulheres. É tão mau que nem consigo ter fantasias sexuais com médicas. Impossível. Para mim não são mulheres, são monstros. Não conseguiria com certeza uma pequeníssima ereção se fantasiasse com médicas. E nem imagino ter amigos que sejam médicos. É demais. É-me superior. Não consigo ultrapassar.
Bem, lá estou eu. Bem perto de uma cadeira de dentista. Pareço calmo. Tudo sob controlo. Calmo. Sem tremuras na voz enquanto explico o meu problema ao homem de verde com luvas de latex. Xiça! Só isso, estar de verde com luvas de latex já me stressa. Mas estou bem. Explico com a fluência linguística que me assiste, calmo, poderoso, inabalável.
Sento-me na cadeira. Desfiz-me. Fui-se-me! Derreto. Começo a suar. A tensão muscular atinge níveis que nem eu sabia que conseguia aguentar. Nem sequer sei como me sentar naquela cadeira tão incómoda. Quase grito “mummy, help me”. Mas homem não chora. Sou macho. Tenho pila e adoro penetrar mulher…
Não, não resulta. Já nem penso que ” menino tem pilinha, menina tem bibi”. Não. Já fui. Já não sou eu. Já nem sinto os toques sensuais da assistente na boca, no queixo e por aí. Mesmo sendo ela algo de não deitar fora. Não. Sou um monte de gelatina que irá tremer ao minimo toque. Estou hiper- previsível. Eu conheço aquela dor. O homem de verde pode falhar. E eu vou saltar na cadeira. Todos os meus músculos vão contrair até limites que nem super-homem aguentaria…
Pestanejo à velocidade da luz. A minha glote não pára de tentar impedir que eu engula nem sei bem o quê. Suo. Os meus olhos lacrimejam. Ardem. Não sei se os mantenha abertos. Se os feche. Vejo aquela luz apenas. Afinal aquela luz é a única coisa que me impede de desesperar. Sei lá eu bem porquê! É apenas uma luz… Aquelas caras tapadas com uma máscara, não as vejo. Não quero ver. São agressivas. Violadoras. Não quero conhecê-las. Identificá-las. Estou em sofrimento. Tento vencer-me a mim próprio. Eles, os da máscara, não me obrigaram a estar ali…
Afinal, mesmo que eu lavasse os dentes 4 vezes ao dia podia, mesmo assim, ter cáries. Sou propenso a cáries, porra. Tenho ácidos a mais ou a menos na minha cavidade bocal. Merda. Cáries desesperam-me. E então quando aquela senhora me diz, antes de eu me dirigir ao cenário de suplício, “já não tenho idade para isso mas preferia parir que ir ao dentista”, morri. Desvaneci. Perdi os tomates. Sorri apenas. Um sorriso suado. Aquele suor frio que nos corre pelo corpo e que nos faz sentir que há uma gota de água salgada percorrendo cada milímetro do nosso tronco algo velho pelo passar dos anos…
Sobrevivi. Consegui levantar-me. Fiquei de novo erecto. Homus erectus again. Ou lá como se diz… Proferi algumas palavras de circunstância. Paguei o serviço com a maior alegria deste mundo. E fui-me. Entendi que estava a fugir. A orar (coisa que já não faço há muito, em condições normais) para que não me volte a acontecer. Enfiei-me no carro e lá fui eu. Dono daquela sensação de sobrevivente à maior das adversidades do mundo. Estou vivo… Vou lavar os dentes 8 vezes por dia. Talvez 16. Talvez nem coma para não encher os dentes de geradores de cáries. Ou melhor, vou comer um arroz de tomate, uma delícia que a minha mãe tão bem sabia fazer e da qual herdei a arte. Mereço. Sou um sobrevivente…
Que os deuses me protejam daquela cadeira…