Sempre reagi mal à imposição de conceitos pela simples imposição. E isso acontece quando quem impõe está convencido que impõe porque o que está a impor é indiscutível. A História está cheia de erros vindos de vedetas convencidas que o que inventam é indiscutível…
As percentagens são traiçoeiras. Sempre foram, sempre serão. Se dissermos que 70%[1] de Portugueses se borrifaram por completo para as eleições Europeias, sim, é muito. É uma esmagadora maioria de uma população desligada do evento e suas implicações. Mas repare-se que 70% da população Portuguesa são cerca de 7.5 milhões de eleitores. Há cidades no mundo com uma população bem superior a essa. E também houve outros 5 países da União com piores valores que nós. E por exemplo na Alemanha esses 7.5 milhões corresponderiam a 9% de abstenção o que claramente está muito abaixo do que lá aconteceu em termos de abstenção[2]. As percentagens têm realmente muito impacto neste tipo de análises. Principalmente quando queremos usá-las em nosso proveito.
Acresce então dizer que no fundo, no fundo e dependendo do contexto, fomos pouquinhos os que achámos que o esforço de nos deslocarmos a uma mesa de voto não compensava. O problema é que a abstenção vista na perspectiva da percentagem, dói. Porque nos comparamos a outros em percentagem, não em valores absolutos. No entanto a abstenção é uma opção. E claro que não gosto quando me dizem que no Brasil o voto é obrigatório. Porque do Brasil normalmente não vem coisa que se queira aproveitar, principalmente nestas coisas da política. Ah, mas há países Europeus onde o voto também é obrigatório, como Bélgica e Luxemburgo. Nem que representassem a maioria, todos sabemos que a maioria não transporta necessariamente consigo a razão. Apenas a força da quantidade…
A abstenção é uma opção. Eu sei porque não vou votar, fi-lo conscientemente, tanto quanto todos os 70% que optaram por essa posição política. Ao ser humano é-lhe concedida a opção da abstinência. E se o podemos fazer relativamente a valores bem mais complicados como a nossa própria vida, já que há muita gente por esse mundo fora a abster-se de viver, então com mais propriedade posso abster-me de valores que considero menores como por exemplo votar. E quando decido não exercer esse meu direito, votar, faço-o porque considero existirem razões válidas para isso. Tal como os milhões de Portugueses que ficaram em casa consideraram serem donos de razões que justificam a abstenção como expressão de voto. E posso reunir aqui algumas relativas a estas eleições:
- saturação, esta é carapuça que nós os seniores podemos enfiar;
- má informação sobre a estrutura europeia, todos temos culpas no cartório aqui;
- não envolvimento nas questões europeias, que parecem estar tão “lá muito longe” (nesta não me revejo);
- descrédito nos nossos representantes, coisa bem Portuguesa de acreditarmos muito pouco em nós mesmos (mas realmente temos gente fraca a representar-nos);
- descrédito na capacidade Portuguesa de influenciar a Europa, o que até é verdade porque somos demasiado mesquinhos para ansiarmos mais;
- sensação de conforto nesta posição de pedintes da Europa, de uma maneira ou doutra o dinheiro vem cá ter;
- total desmobilização da juventude, o que facilmente se vê pela facilidade com que emigram qunado as coisas não correm de feição na sua terrinha natal;
Estas são algumas, mas longe de serem todas. Os Portugueses são tão amantes da Política como da leitura. Os Portugueses não se abstêm porque gostam de praia. Os Portugueses não vão votar porque facilmente se desmobilizam do que não lhes trás proveitos imediatos. “E se os fundos Europeus já estão tomados como direito adquirido, vamos agora votar para quê? Para a Merkel continuar a ditar o nosso presente e o nosso futuro? Para um qualquer labrego nórdico feito doutor decidir que o que nós gostamos é de “putas e vinho verde” e não haver ninguém que lhe dê um par de estalos? Afinal o que estão os nossos representantes a fazer lá? A mamar…”. E assim se faz política em Portugal. Com a mais profunda sabedoria popular que herdámos dos nossos tetra-tetra-tetra-tetra-bisavós, que Deus os tenha…
A abstenção é uma opção. Devo ter o direito de não querer fazer parte de um filme no qual sei que não me encaixo. E sem ameaças, por favor. Porque o votante que no exercício do seu direito vai à mesa das urnas não está necessariamente a contribuir para a evolução do estado das coisas. Pode estar sim a contribuir para a manutenção do estado das coisas e nem sempre a manutenção é a melhor solução. Tal como o votante que lá vai pegar no boletim de voto para não votar[3] poderá não estar a contribuir em nada para o progresso. Tal como o votante que vai lá e converte o seu voto em algo nulo[4]. E já sem falar no votante que lá vai para dar um gosto à filha, ao neto ou a sabe-se lá quem. Não interessa! A democracia é isto, cada um opta pela postura que mais se encaixa na sua forma de participação ativa na sociedade em que está inserido. E há quem opte por participar de forma passiva porque essa é a melhor contribuição que considera importante dar. E assim está bem, assim é bonito porque assim vamos sendo livres de participar ao nível do que somos e de como queremos estar.
A abstenção é uma opção…
- O número de votantes correspondeu a 30.75% da população Portuguesa, ou seja, cerca de 3,314,325 votantes em 10,777,754 inscritos. Ou seja, 69.75% de Portugueses não compareceram nas mesas de voto.
- A abstenção na Alemanha rondou os 39% o que corresponde a cerca de 3.2 milhões de eleitores.
- O que me soa a ridículo.
- O que vejo como algo bem frustrante.