A Arte de Bem Fazer Parecer

Nada como uma pandemia para impedir que nos esqueçamos como realmente somos. Não porque queiramos que alguém nos recorde do que somos feitos mas porque aparentar é a palavra de ordem da era moderna. Ora pois, as aparências iludem mesmo e por isso, nos tempos que correm, já ninguém quer assistir a degradantes shows sobre a real condição humana. A procura está mais orientada para a fantasia do ser e a oferta vai correspondendo em conformidade. Fazer parecer é o que está em alta no mercado de valores do ser humano e, definitivamente, mais vale parecer do que ser…

Esta ridícula guerrinha de vacinas em tempos de sofrimento de milhões é tão humana! É tão substrato da mente intrincada de um animal que ao longo de milénios tem mantido uma dificuldade enorme em se humanizar a custo zero. Num mundo cada vez mais apaixonado pelo capitalismo, há sempre um lucro, por diminuto que seja, por trás de qualquer um dos nossos atos. O animal humano não consegue mesmo livrar-se deste natural desejo de enganar, viciar, ultrapassar e dominar. Se por um lado é de louvar o esforço das mentes brilhantes que descobriram em tempo recorde uma vacina contra o CoronaVírus, por outro é de ficar olhando fixamente com cara de parvo para este esgrimir de interesses de tudo e de todos por esse mundo fora em torno do que deveria ser simplesmente um esforço conjunto de guerra para salvar a Humanidade.


Cortesia de Dilbert.com

É fácil sermos enganados nos tempos que correm. Há demasiada gente focada na arte de bem iludir, burlar, tapear, dissimular, embrulhar, embustear, engabelar, enganar, engazopar, engodar, equivocar, lograr, ludibriar,… Claro, a realidade assusta! Ninguém quer viver permanentemente assustado. Seria dramático. Trágico. O animal humano tem desenvolvido então mecanismos de defesa no sentido de facilitar a conquista e manutenção da sua felicidade. A verdade tem sido então despromovida e em seu lugar tem-se promovido a mentira, a não-verdade, a inverdade, whatever… O faz de conta, o deixar de ser para parecer. Confronte-se alguém com a verdade e cria-se, ato imediato, um inimigo. Confronte-se alguém com um espetáculo de luz e som e cria-se, ato imediato, um seguidor. Assim, há por esse mundo fora cada vez mais criadores e promotores de espetáculos de luz e som e, claro, também aqui funciona a lei capitalista da oferta e da procura: começa-se a vender banalidades a preços exorbitantes.

O ato de nos apresentarmos aos outros exatamente como somos é já, para muitos, uma peça tão de museu como os dinossauros, uma banda sonora ou um guarda-roupa de filmes de outra época. Optar pelo parecer em deterimento do ser é tão ou mais importante que manusear ferramentas informáticas com destreza. Converter a banalidade em peça de inestimável valor é um must e saber promovê-la com a mestria de um “influencer”[1] através das redes sociais[2] é tão importante como respirar. O ato de nos apresentarmos aos outros exatamente como somos é já algo démodé, peça de roupa caduca que só mesmo velho insiste em usar. O que está a dar são as ações de formação sobre maquilhagem, camuflagem, dissimilação, imitação, decoração, disfarce, similitude, homocromia, homotipia, mimetismo, make-up, masking. Depois, quando devidamente formados (formatados), a formação em técnicas de predatismo será a cereja no topo do bolo.

Quanto à pandemia, a procissão ainda vai no adro e não faltarão portanto oportunidades para os diplomados na arte de bem fazer parecer continuarem a brilhar. Que se cuidem os que ainda não finalizaram o curso ou os que, por falta de meios próprios ou subsidiados, nem sequer o iniciaram…

  1. Gosto tanto desta expressão como da frase “tu és brutal”. Enfim, modas!
  2. Facebook, Instagram, Twitter, etc.

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